Contos e Crônicas Cotidianas [2] Agridoce

Foi quando Augusto se preparou para se sentar em frente ao computador e começar seu trabalho, que um carro com o auto falante no último volume passou na rua anunciando que o circo havia chegado na cidade. Ele logo se enfureceu pois mais uma vez não dormiu bem, sendo acordado inúmeras vezes pela ansiedade e preocupações com coisas que ele não podia ter qualquer controle. Após se entupir de café, escreveria milhares de relatórios, o que já fazia há anos e que dessa vez, precisava entregar com urgência. Mas o barulho do circo não o deixava ter foco e, ao olhar pela janela, viu todos os artistas ali em frente à sua casa. Trapezistas, macacos, palhaços, uma mulher barbada, um mágico e muitos outros, todos numa felicidade de dar raiva em quem não sentia felicidade em nada. A vontade de Augusto era chegar lá e acabar com a festa até que viu um menino junto ao cortejo.

Lembrou-se de quando tinha oito anos e encontrou o cortejo circense na saída da escola e de como aquilo o encantava. Pensou em fugir com o circo, queria ser palhaço e chegou a ir para todas as sessões pois fez amizade com o atirador de facas.

Augusto não sabe quando deixou de ser criança, mas sabe que foi de uma hora pra outra. Num momento era um menino encantado com o mundo e no outro, era um homem sem prazer algum na vida. Ele ficou ali observando os artistas até que teve coragem de se misturar com eles e participar do festejo. Havia tanto tempo não se divertia que até esqueceu que era adulto. Ele piscou o olho percebeu que só se imaginou ali, que a imaginação pode nos transportar pra onde queremos em instantes, mas que a realidade nos coloca em atrás de uma janela, observando o que queríamos, em confronto com o que queremos e com o que somos e que muitas vezes, somos o nos tornamos.

A raiva passou, o circo foi embora e ele sentou-se em frente ao computador e começou o trabalho. Houve uma pausa de doçura em meio ao amargo.