O "Crack" das Bodas

Sempre quando visitava a casa das minhas tias-avós, vislumbrava na sala de entrada a renomada cristaleira, vulgo "guarda loiça" , tia Nicota dizia que ela era o coração da casa, tudo de mais fino, memorável ia parar lá , na redoma em bisoté, que guardava desde objetos que marcaram ritos de passagem até as fotos daqueles que já passaram, e agora ali jaziam, imóveis! Tais quais as figuras campestres pintadas lá em Limoges, nos bules , pires, xicaras, damas fazendo reverência a uma comitiva de caça ( ai se uma moça casadoira , nos idos de 20 , não ganhasse de presente um jogo de porcelana "Limoges"). Deus me livre de louça grosseira para a primeira ceia do casal! Resmungava ela.

O mais encantador era que para a cena ser completa todo o serviço de chá tinha que estar sobre a mesa! Uma cena encantadoramente estúpida! os serviços de mesa sempre serão completos, já aqueles que os utilizam...

Talvez , depois ,quando os protocolos do casamento caíram por terra ela permitiu a entrada dos serviços de café e chá mais grosseiros, canecas esmaltadas para o café da tarde? Um escândalo!

Vão-se as loiças campesinas, ficam-se as verdadeiras , aquelas que utilizamos para o cotidiano, que vão quebrando, "craquelando ", louça amarelada, trincada , xícara sem asa para se pegar com as mãos em concha, essas sim deveriam ir para a cristaleira, essas sim contam histórias, não apenas um episódio que parou no " e foram felizes para sempre", iguais as cenas estáticas pintadas em porcelana, e as cenas da carne humana ? Aonde foram pintadas?

As bodas estão predestinadas a craquelar, daí as xícaras comemorativas serem de porcelana tão fina, são frágeis... Impossível chegar às Bodas de Ouro com tanta fragilidade!

Por favor! Enviem-me para o meu " Chá de Cozinha", peças esmaltadas, que mostrem a ação do tempo, o descascar dos anos, deixando em evidência o verdadeiro material que a compõem, ferro, ferrugem, fuligem.