Diálogos

As horas na tela do notebook já marcavam 11:11 da manhã. Cristian estava há mais de três horas sentado na poltrona da escrivaninha tentando escrever algum conto ou coisa semelhante, mas já fazia dias que nenhuma ideia surgia na sua mente. Pensou na possibilidade de que as suas quase seis mil partidas de xadrez jogadas nos últimos seis meses, data que aprendeu a jogar, pudessem ter alguma relação com a falta de inspiração que lhe acometia. Quem sabe o raciocínio lógico-matemático das jogadas de abertura, meio jogo e final dos embates enxadrísticos estivessem sobrepondo-se à força criadora necessária para a criação artístico-literária no mundo das letras, uma força um tanto quanto subjetiva, vinda emergida das profundezas sofredoras e emotivas de todo bom escritor. 

- Pai, o que tu tanto escreve e depois apaga aí no notebook? 

Sua filha, uma menina de cerca de 10 anos de idade, estava sentada no chão do quarto onde se encontravam; ela estava fazendo sua atividade favorita, que era desenhar. 

- Estou tentando criar diálogos?

- E o que é isso?

- São as falas dos personagens em uma obra artística como romances, contos, filmes ou teatro.

- E qual é a dificuldade de fazer isso?! É só escrever qualquer coisa. 

- Não dá para escrever qualquer coisa, filha, se não eu contribuo para essa cultura decadente pós-moderna, onde as pessoas produzem e consomem qualquer coisa, fazendo com que um monte de palavras vazias preencham os jornais, revistas, sites de fofocas ou tornem-se comentários sobre política nas redes sociais.  

 -Ah, se eu fosse tu eu escreveria qualquer coisa mesmo assim. Ontem, na escola, na aula de artes, a professora nos mostrou umas figuras dos quadros de Pollock, que tem no livro. Ele pintava qualquer coisa. É só você escrever qualquer coisa.

- Filha, Pollock não pintava qualquer coisa, aquilo era arte moderna. Enfim, tem uma ideia aí de qualquer coisa para eu escrever?

-Sei lá pai, tu que é o escritor aqui.

- Ué, mas não foi tu quem autografou o livro de Haikais feito por ti com teus colegas de escola?

-Mas lá não precisava fazer diálogos. Pai, é só escrever qualquer coisa! Já sei, escreva sobre essa nossa conversa. Não é isso que os outros autores fazem?! Aposto que Shakespeare escrevia qualquer coisa. 

 Cristian já estava começando a achar a ideia da menina não muito ruim, ainda mais que este último comentário sobre Shakespeare fez lembrá-lo a opinião de Tólstoi sobre a obra do dramaturgo inglês.

- Bom, vou pensar em escrever sobre esse nosso papo. 

Cristian voltou os olhos para a tela do notebook e refletiu por cerca de três segundos, chegando à conclusão que não seria uma boa ideia escrever sobre qualquer coisa, como aquela conversa com a sua filha de agora a pouco. Uma mensagem na tela o avisou que um oponente estava o desafiando para uma batalha nos tabuleiros. Seu rating estava crescendo cada vez mais. Começou a partida de brancas jogando E4, a preferida de Bob Fischer. Deixou a escrita do conto para quando tivesse algo para escrever; não iria escrever sobre qualquer coisa.

Igor Grillo
Enviado por Igor Grillo em 16/11/2022
Reeditado em 08/12/2022
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