Feijão Fraudinho

Cândido Eugênio era aquele tipo de sujeito que não se deixa enganar pela grande mídia. Não, não, não… ele tinha sempre suas próprias fontes. Orgulhoso, dizia não ser “massa de manobra” de ninguém e sempre estava à frente das notícias. Quando você chegava com a coca e o menthos, ele já vinha com o foguete, gabava-se.

Desde criança Cândido Eugênio não era besta, não aceitava chiclete de ninguém porque sabia muito bem que grudaria o estômago. Cauteloso, se tomava leite num dia, só ia comer manga dois dias depois, pra não ter risco de bater as botas. Nem deixava o chinelo virado, pra não ficar sem mãe.

Na adolescência, viu toda aquela lorota na TV de que tinham pisado na Lua. Ahã… E a bandeira norte-americana tremulante?... se não tinha vento??? De suas fontes seguras desvendou o mistério: a NASA, aquela empresa de efeitos especiais que mantém em cativeiro o ET retirado do OVNI que caiu no Novo México, mandou astronautas pro deserto de Nevada, filmou e editou tudo só pra dizer que os americanos eram melhores que os russos! Pensam que sou trouxa? E ainda tentam convencer a gente de que a Terra é redonda??? Ora, valha-me Jesus da goiabeira! É só olhar pro horizonte que a gente vê que o mundo é reto. A gente precisa estar muito atento a esse grande complô entre a Maçonaria e os Illuminati! Um dia ainda implantam um chip na gente, alertava Cândido Eugênio.

Mas, de modo geral, era um jovem como outro qualquer, curtia um rock, embora evitasse Led Zeppelin pois é notório que suas músicas são mensagens satânicas ao contrário, como em Stairway to Heaven, que jamais tocou em seu walkman. Elvis era seu ídolo, mas Cândido Eugênio nem sofreu tanto com a notícia de sua morte pois logo descobriu, de fonte segura, que Elvis tinha forjado sua própria morte em troca de informações sobre a máfia e partido pra Buenos Aires com nova identidade, onde, após um período de detox e emagrecimento num SPA, leva uma vida anônima e tranquila até os dias de hoje, forte como um touro aos 87 anos, o que, segundo ele, deve-se ao saudável hábito de ingerir caracu com gemada diariamente.

E assim Cândido Eugênio seguiu sua vida, sempre esperto, à frente dos fatos.

O grande upgrade em suas fontes confiáveis de informação veio mesmo nos anos 2000, com a chegada do que viria ser seu deleite, um meio de receber e repassar notícias reais e fidedignas, de forma que ele passaria a prestar um grande serviço a todos os seus conhecidos, que repassariam aos seus conhecidos, que re-repassariam aos seus conhecidos, que re-re-repassariam… enfim... formando assim uma grande corrente da verdade Verdadeira VERDADEIRÍSSIMA: O ZAP!!! Agora sim! A verdade ao alcance de todos! Não seremos mais enganados por essa mídia vendida e manipuladora!!!

Assim, quando criaram aquele vírus num laboratório lá na China, com o intuito de alavancar exportações da indústria farmacêutica chinesa (que, junto com o vírus, criou a vacina), Cândido Eugênio não teve dúvida, era tudo uma grande farsa criada pela China para destruir a economia mundial, mancomunada com a imprensa para bombar os noticiários. De suas fontes, recebia as notícias verdadeiras. Os números de mortes, as imagens dos sepultamentos em sequência, as filas de carros funerários em frente aos hospitais, os relatos desesperados de parentes em busca de oxigênio, os depoimentos dos profissionais de saúde exaustos, tudo, tudo, tudo, uma grande encenação, parte do plano chinês para promover o “fique em casa” - que em chinês era “呆在家里” (mas trazia um discreto risquinho na diagonal sobre a terceira letra, que significava: “não fique não, é só pra enganar o resto do mundo que não entende esses risquinhos”) - e destruir a economia mundial. Cândido Eugênio, de tão esperto que era, chegou a confrontar os supostos números de óbitos com os registros de óbitos dos cartórios e... bingo! Estava lá a prova cabal de toda a armação: os números de registros de óbitos tinham até caído em relação ao ano anterior, na verdade verdadeiríssima, as pessoas estavam até morrendo menos! Depois saíram explicações na mídia manipuladora sobre isso, mas, ele, astuto, já havia desvendado a farsa. O vírus chinês até existia, mas não causava mais do que uma gripezinha.

A disseminação do vírus por todo o planeta também foi muito bem engendrada já que anos antes espalharam um boato absurdo de que estourar as bolhinhas dos plásticos-bolha durante 15 minutos equivalia a uma sessão de massagem relaxante e, assim, sabendo que nenhum ser humano resiste a estourá-los, através do ar que saía de dentro dos plásticos-bolha dos produtos xing-ling, importados e comercializados até na Lua, onde o homem nunca foi, infectaram todo o disco terrestre.

Mas enquanto o mundo se debatia atrás de descobrir uma vacina, a China, maquiavelicamente, fingia mobilizar seus cientistas em busca da cura, o que era um engodo pois eles já tinham todas as doses prontas e microchipadas, estocadas em seus laboratórios, só aguardando o momento certo para vendê-la e, através dos microchips, alterar o DNA das pessoas, que passariam a ter comportamentos reptilianos (de jacaré mesmo), e dominar o planeta. O tal lockdown chinês foi facilmente forjado por um programa que retirava as imagens das pessoas andando tranquilamente na rua e simulava ruas vazias, pro resto do mundo achar que os chineses estavam em casa comendo noodles.

Em seu grupo de ZAP não demoraram a surgir fórmulas para prevenir e combater o tal vírus chinês, procedimentos que Cândido Eugênio prontamente passou a adotar, como gargarejar diariamente uma mistura de água quente, limão e alho, por exemplo. A base científica era que o vírus tinha lá seus caprichos, não gostava de calor, por isso a água quente; o limão deixava o PH neutro e o vírus preferia o alcalino; e o alho… bem... promovia naturalmente o distanciamento social, sim, porque a tal da máscara ele não usaria de jeito nenhum, focinheira é pra cachorro, dizia.

Logo, seus grupos de ZAP tiveram acesso a outro grupo de ZAP ainda mais exclusivo: o dos “médicos mais espertos que a comunidade científica manipuladora mancomunada com a mídia, a maçonaria, os illuminati…” (cuja sigla era “OMS – Os Mano Sirurgião”), tinham criado um kit que dava tipo uma rasteira no vírus, antes que ele pudesse atacar, um verdadeiro golpe de mestre, um tratamento precoce, que era pra nem ter a gripezinha. Revoltados com a grande descoberta, os negacionistas da verdadeira ciência insistiam em dizer que o kit só matava lombriga mesmo.

Apesar de ter orientado seus amigos e familiares a fazerem uso do kit, Cândido Eugênio viu pessoas próximas adoecendo, inclusive algumas… mas, segundo ele, devia-se ao fato de não terem feito o uso correto do kit, além de terem parado com o gargarejo.

Um certo dia, no grupo da família, sua mãe repassou uma mensagem que recebera no grupo da igreja com uma informação preciosíssima e exclusivíssima: o pastor havia recebido uma mensagem divina e, cheio da graça do espírito, abençoara uma semente de feijão fradinho (aquele usado no acarajé) e daquela semente ele havia feito uma pequena plantação de feijões abençoados que tinham o poder de cura. Como o cultivo era muito especial porque na semente deveria caber a frase “Sê tu uma benção”, sem abreviações, com todos os acentos e sem mudar de linha, o preço simbólico de mil reais por semente seria cobrado, dinheiro esse que, é claro, seria inteiramente voltado para a missão. Cândido Eugênio não pensou duas vezes, encomendou dez sementes pra distribuir pra família, afinal, quem ama, cuida. Assim que as sementes chegaram as plantou. Cuidava das plantas como a um bebê, esperando ansiosamente o aparecimento das primeiras vagens, o que foi rápido. Na primeira colheita, parte dos feijões viraram uma feijoada abençoada e a outra parte ele replantou. Parte da segunda colheita virou um louvado virado à paulista e a outra parte ele replantou. E assim foi aumentando cada vez mais sua plantação e, descobrindo novas receitas, comia feijão do café da manhã à ceia. Até sobremesa ele fazia com o feijão. Chamava carinhosamente de “bendito manju”.

Com o tempo, porém, as pessoas começaram a notar uma discreta proeminência abdominal em Cândido Eugênio, o que ele justificava, dizendo que, embora meio flatulento, sentia-se protegido de qualquer vírus, bactéria, mau-olhado, mandinga e todo o mal, por conta do sacrossanto feijão de cada dia.

Uma noite, no entanto, Cândido Eugênio acordou em cólicas terríveis, não teve chá de boldo que resolvesse, baixou no hospital. O diagnóstico veio certeiro: nó nas tripas.

Uma semana internado e começou aquela dorzinha na garganta, um pouco de febre, um cansaço… a coisa foi piorando, a comida do hospital, que já não era aquelas coisas, foi ficando totalmente sem gosto e… sem cheiro. Já desconfiado de que “eles” o haviam capturado, recebeu a notícia do médico conspirador: estava com COVID. Nem se abalou, fingiu acreditar. Tinha que ser mais esperto que “eles”, só estava um pouco cansado… falta do feijão, pensava.

Um mês mais tarde, nos grupos de ZAP rolou um boato de que o finado Cândido Eugênio, em seus últimos dias, pediu pra ser vacinado, o que é pouco provável. Disseram ainda que seu último desejo foi que ateassem fogo em sua “maldita plantação de feijão”. Povo criativo. O fato é que vários dos integrantes do grupo do ZAP foram reconhecidos nas filas de vacina, mesmo sob todo tipo de disfarce, de perucas a bigodinhos colados, alguns até usando camiseta com “in SUS we trust”. Os que assumiram o ato tresloucado, argumentavam que, afinal, por via das dúvidas, melhor um jacaré microchipado vivo que uma sábia alma penada.

rofidelis
Enviado por rofidelis em 01/12/2022
Código do texto: T7662284
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