Aniversário de sete anos

Estava uma noite fria. Eram cerca de dez horas da noite e Ivan estava em seu quarto escrevendo as primeiras linhas no diário que havia ganhado de aniversário de seu tio Alex. Durante o dia, a mãe e o tio fizeram uma festa surpresa depois que o menino chegou da escola. Além do presente do tio, também ganhou um tênis de sua mãe. As primeiras palavras que o menino estava escrevendo no diário eram sobre os acontecimentos do dia.

- Semana passada tua mãe me disse que a tua professora te elogiou por ser um dos poucos alunos da turma que haviam chegado próximo das férias de julho já sabendo ler e escrever. Esse é meu sobrinho! Que orgulho do tio. Viu, Roberta, tu falou para a professora que foi o tio aqui que ensinou o moleque a ler?

O tio Alex havia mesmo ajudado o garoto com a leitura das primeiras palavras, antes mesmo de Ivan entrar na escola. Quase todo final de semana o menino ia para a casa do tio, que não era muito longe da sua, e lá, depois de terem jogado bastante futebol na maior praça do bairro, o tio pegava algum livro da sua pequena biblioteca, que tinha cerca de uns 300 exemplares e colocava na frente de Ivan, dando início a sua alfabetização, para logo em seguida falar um pouco sobre o conteúdo daquele livro que haviam pego para ler.

Não havia sido coincidência a escolha de Homero como a primeira resenha literária que o menino iria ouvir na vida. Alex quis que a primeira obra da literatura ocidental também fosse a obra com a qual o sobrinho iria mergulhar pela primeira vez no mundo imaginário e fantástico da literatura. Uma escolha simbólica, além de que as cenas de batalhas e as façanhas dos heróis pudessem prender a atenção de Ivan.

Agora, no dia que Ivan estava fazendo sete anos, o tio apareceu com um diário e uma caneta Bic de quatro cores embrulhados debaixo do braço.

- Toma aqui teu presente, garotão.

Ivan pegou o presente que o tio lhe deu e abriu com a mesma empolgação de quem lava louça.

- Que cara é essa, não gostou do presente?!

O tio sabia que a apatia do menino era decorrência da ausência de seu pai, Marcelo, que era caminhoneiro e estava longe de casa no dia do aniversário do filho.

- Como eu estava te dizendo, a conversa que eu tive com a tua mãe me fez ter essa ideia de presente. Sabia que se tu começar a escrever todos os dias, qualquer coisa, tua memória e inteligência aumentam?

Ivan, que estava de cabeça baixa olhando para o diário, olhou para o tio sem mexer uma parte do corpo, só levantando os dois globos oculares e o fitou, como se aquela ideia de ficar mais inteligente tivesse lhe despertado o ânimo.

- E aí está uma caneta novinha. Não tem essa de escrever de lápis, escritor de verdade escreve de caneta, e você arranjou uma profissão no aniversário de sete anos: escritor.

Roberta, que tinha acabado de voltar da cozinha, olhou para seu irmão com uma cara de quem não gostou nada da ideia de seu filho se tornar um escritor, afinal, não conhecia nenhum escritor, e isso, na sua compreensão, poderia prejudicar os estudos bíblicos de Ivan.

- Alex, quando eu acho que vou me incomodar contigo por achar que tu iria dar uma bola para o guri estragar o tênis que eu dei pra ele, tu me vem com um diário pra encher a cabeça do guri de minhoca. Vê se pode uma coisa dessas?!

A mãe havia parado de estudar na quinta série do ensino fundamental, não sendo muito propensa a incentivos de escrita fora da escola. O conhecimento do filho de alguns clássicos da literatura mundial por conta das idas à casa do tio já não lhe agradava muito. Livro de verdade para ela só existia um, a bíblia.

- Que isso, mulher de Deus! O diário vai ocupar a mente do garoto. Deixa pra mim.

- Deixar pra ti? Tu não deve estar muito bem da cabeça. Tu quer que o guri seja igual a ti, um desempregado que só fica lendo livros.

- Primeiro, eu não estou desempregado, porque desempregado é quem procura emprego e não consegue, e eu não estou procurando emprego.

O tio olhou pro garoto e piscou olho. Apareceu uma leve risada no canto da boca da criança.

- Por quê tu tá rindo? - disse Roberta ao filho.

- Mas nem no aniversário do garoto tu dá sossego. – retorquiu o tio.

Roberta estava de fato um pouco estressada ultimamente. A ausência cada vez mais frequente de Marcelo e os problemas no serviço com a sua patroa estavam fazendo com que ela ficasse brava com mais frequência.

- Ivan, larga esse caderno e vai tomar banho que teu avô já está chegando.

- Não é caderno, mãe, é diário.

Nesse momento, o avô entrou pela porta com um cigarro na boca e um pacote na mão, do mesmo jeito de sempre, com os cabelos brancos penteados para trás, um cheiro de perfume barato e a roupa suja.

- Surpresa!

- Por que será que eu não fico surpresa? – Roberta disse após ver que o pacote que o velho trazia não era o presente de aniversário de Ivan, mas sim um fardo de cerveja.

Alex olho de soslaio para o pai, como quem não estivesse nada surpreso também.

- Vem aqui dar um abraço no vô. – O velho largou a cerveja em cima do sofá e abriu os dois braços na direção do menino – E esses dois abobados, já estão te enchendo o saco? Não de ouvidos para esses dois, vai lá no carro e pega no banco de trás o presente que o vovô trouxe pra ti.

O velho mal terminou de dizer a frase e o menino já estava voando para fora de casa e abrindo a porta do fusca azul piscina do avô.

- Papai, eu acabei de limpar o chão! – A cinza do cigarro do velho Afonso caiu no chão.

O velho fingiu ou não escutou a reclamação da filha.

- E tu, já arrumou um servicinho pra botar no lombo ou ainda acha que vai ganhar a vida escrevendo poesia? Me diz uma coisa Alex, tu é viado?

-Ah não, nem pensar, não vão começar os dois a bater boca logo hoje!

No momento em que Alex iria responder para o pai, Ivan entrou correndo pela casa, vestido de caubói, com um chapéu na cabeça, um colete e com duas pistolas de plástico na mão, atirando balas imaginárias para tudo quanto é direção. O velho Afonso fingiu que foi acertado no peito por uma bala, colocou a mão no coração e foi caindo devagarinho sobre o sofá. Os irmãos olharam-se e deram um sorriso de canto de boca, entendendo ambos que, mesmo apesar de todo o momento ruim que estavam passando, ainda poderiam sorrir e se divertirem em família.

Não foi com tantos detalhes, mas foi mais ou menos esses fatos que Ivan relatou na primeira página de seu diário.

Igor Grillo
Enviado por Igor Grillo em 13/12/2022
Reeditado em 25/01/2023
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