O guardião da praça

 

Adriana Ribeiro

 

     Nasci e vivi a primeira infância na zona rural. Meu pai era ajudante de vaqueiro na época e por isso vivíamos nos mudando de fazenda em fazenda onde ele conseguia arranjar emprego. Quando separou-se da minha mãe nos trouxe para morar na única propriedade que eles tinham na pequena cidade de Arauá.

     A referida propriedade era uma velha casa de taipa antiga, com a maioria das paredes caiadas, mas o reboco já estava bastante danificado e por isso lhe conferiam um aspecto de deterioração incapaz de ser ignorado por quem a observasse, seja por dentro ou por fora.

     Ficava na Rua da Baixa, no centro de uma curva acentuada da estrada principal que servia de entrada para a cidade, mas que ainda não fora pavimentada, assim como todo o quarteirão.

     Somente no governo do Desembargador José Rollemberg Leite, quando a cidade estava sendo administrada pelo prefeito Joaldo costa Carvalho, essa parte da cidade começou a ser asfaltada e uma praça próxima a nossa casa foi construída. A praça Professora Diva. Com seu design moderno se comparada com as outras que já existiam.

     Com a chegada do asfalto e da nova praça também chegou a iluminação elétrica nessa parte da cidade que antes mais parecia uma vila de moradores próxima a um terreno baldio em cujo centro havia um antigo hospital-maternidade abandonado.

     A iluminação elétrica, que para mim era uma grande novidade, levou anos para entrar em nossa casa que sequer tinha um número, quanto mais escritura, mas na praça ela me encantava e atraía feito mariposa boba.

     O fascínio era tanto que eu meio que adotei um ritual: quando o sol se punha corria para ver o acendedor das luminárias carregando sua haste metálica em cuja extremidade haviam um gancho de duplo sentido. Com a qual se dirigia aos postes de cimento e empurrava uma espécie de alavanca fazendo-a se deslocar para cima com um barulho seco, fazendo todas as luzes se acenderem imediatamente.

     

     Seu Dioguinho, como era chamado aquele senhorzinho pequeno e magro, aos meus olhos parecia um funcionário de alta patente da companhia elétrica. Era-me tão fascinante o que ele fazia com sua haste mágica. Mas com o tempo eu entendi que ele era, na verdade, apenas um trabalhador compromissado que todos os dias, no mesmo horário e no mesmo local, chegava para fazer o seu maravilhoso trabalho!

Iluminar as ruas e praças!

     Naquela cidade pequena do interior não havia muitas opções para as crianças pobres se divertirem, principalmente à noite. Os bancos das praças e os trechos cheios de plantas eram nossos locais favoritos para brincar de esconde-esconde, pega-pega, pular-corda e outras brincadeiras simples e saudáveis. Talvez por isso o acendedor de lamparinas fosse como uma espécie de guardião daquele parque de diversões, onde as nossas mães jamais nos deixariam brincar se estivesse às escuras.

     Assim que terminava de acender o último globo de luz - era esse o formato das luminárias que nos pareciam luas quase ao alcance das mãos - lá se ia o velho Acendedor para as outras ruas e praças da cidade com o seu passo miúdo e rápido.

 

     A praça onde morávamos, na época era a o xodó da população porque ainda era novidade mas as outras duas eram mais importantes no conjunto das coisas que movimentam uma cidade.

     A mais antiga praça, e portanto mais importante socialmente, ficava na outra extremidade da pequena sede. Era a Praça da Igreja Matriz. Com os seus moradores ilustres! Membros da elite arauaense. Onde até hoje está situado o prédio da prefeitura! Uma das construções mais antigas da cidade! Quase tão antiga quanto a própria Igreja Católica erguida a menos de cinquenta metros da mesma.

     Por essas razões e também por ser a praça das quermesses e outras celebrações religiosas, a mesma concentrava também um maior número de lamparinas que precisavam estar acesas antes da noite cair.

    Dizem que o hábito do ofício estimula as habilidades humanas repetitivas mas se não fosse por isso, o próprio compromisso com o trabalho do qual retirava o sustento primário de sua numerosa família, fazia com que o Acendedor de lamparinas cumprisse sua tarefa diligentemente todos os sete dias da semana de inverno a verão.

 

     A praça do meio, como costumavam chamar a Praça Coronel João Neto, era onde ficava o centro comercial! Na época o Mercado de carne e cereais que funcionava num antigo prédio que fica numa das esquinas o quarteirão. A área calçada da praça era onde funcionava a feira livre da cidade, que começava a se organizar na tarde de sexta-feira, entrava pela noite e varava a madrugada com o vendedores arrumando suas barracas e mercadorias depois se arrastava por toda a manhã do sábado e a depender o das negociações do dia poderia se estender até as catorze horas ou um pouquinho mais.

     Na praça descrita haviam muitas árvores antigas. Figueiras, jambeiros e outras, cujos frutos a criançada vivia tacando pedras e paus para derrubar! Também ali haviam grandes lamparinas penduradas nos postes que a Companhia Elétrica Sulgipe se encarregava de trocar tão logo fosse avisada pela prefeitura que haviam “queimado”. Tudo para evitar que o comércio local fosse prejudicado, pois ali também fora construída uma filial do imponente Supermercado Prado Vasconcelos.

 

     Mas deixemos de lado a descrição da cidade e voltemos ao personagem principal desse conto. O Acendedor de lâmpadas que caminhava por toda a cidade duas vezes por dia: Ao nascer do sol e ao entardecer de cada dia! Sempre carregando sua haste mágica… Ora acendendo, ora apagando as luzes. Um ofício que para muitos pode ter sido sem grande importância ou mérito. Mas para aquela criança, que viveu a primeira década de sua vida sob a luz do candeeiro, ele era uma espécie de herói. Ou talvez um mágico.

 

Era o Guardião da praça!

 

 

Adriribeiro
Enviado por Adriribeiro em 22/01/2023
Reeditado em 24/01/2023
Código do texto: T7701565
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.