Amigo

Amigo

Amizade às vezes pode ser um fogo amigo! Foi muito difícil ver meu amigo partir, tive que tolerar uma dor maior do que imaginava e por mais tempo.

Roni estava comigo em todos os momentos importantes, parecia feliz, organizado, não andava devendo todo mundo como eu, seguro, honesto e estudioso, um pouco tímido, caladão, então fizemos uma boa dupla porque eu falo pelos cotovelos.

Não era muito de falar em garotas, disse uma vez que admirava uma garota que conheceu na festa do núcleo de artes, acho que o nome dela era Sara, meio riponga, obcecada por cinema, porém por algum motivo eles não se deram bem.

Encontrei com ela uma vez e perguntei:

-Você não foi com a cara do Roni?

Ela sorriu e falou.

-Ora Jota? Quem não vai com a cara do Roni?

-Qual o problema?

-Depende do que o Roni queria, respondi as mensagens, só que ele mandava umas mensagens meio metafísicas, coisa de cdf, eu devolvia falando sacanagem, uma vez ele mandou uma mensagem assim: “A arte é um dos meios que unem os homens”, ai eu mandei a foto de um lugar bem particular pra ele - ele fez uma imagem com a mão que prefiro não descrever - então mandou outra frase pra mim: “Para ver muita coisa é preciso despregar os olhos de si mesmo”, não tenho paciência para gente assim!

-Não rolou nada? - perguntei interessado.

Ela pensou um pouco, sorriu, acho que lembrando de uma coisa bem safada.

-Saímos pra admirar a beleza de um lago e a energia que a água traz para a alma, eu disse pra ele: me esfrego em você e te passo uma energia muito melhor, quando fico pelada a energia sai do meu corpo procurando outro corpo! Que tal? Ele me olhou sério eu sem vergonha nenhuma sai com essa: vamos rolar nesse mato ai na frente, porque sou tarada pra transar no mato, tirei a roupa toda e fiquei parada pelada na frente dele, sabe o que ele fez ? - eu não tinha ideia e fiquei de boca aberta, então ela continuou:

- Ele sorriu com aquele sorriso de um milhão de dólares, perfeito de atorzinho de comédia romântica dos anos 80, passou a mão no meu cabelo e disse com a voz sexy: você merece coisa melhor que fazer amor no mato, mesmo diante dessa vista maravilhosa – ela jogou o chiclete no lixo, era uma garota comum, morena, cabelos curtos, inteligente, de um magnetismo espantoso.

- Fazer amor, quem usa essas palavras, alguém na casa dos sessenta? Não é uma de um filme como: E o Vento Levou, ou Fantasma Da Opera?

Sara me encarou, percebeu que eu estava divagando, estalou o dedo na frente do meu nariz e disse:

- A Única coisa que te falo é que “euzinha” não estava amando Roni, nem sei o tipo de amor que essas pessoas tanto procuram, tenho vinte e dois anos, amor pra mim é só uma palavra, assim como Deus, nunca me encontrei com ele, talvez quem sabe um dia – ela tocou o meu ombro e falou em um tom de voz baixo, minguado - seu amigo me deu a impressão de ser fraco pra vida, gente assim tem que ir ao médico psiquiatra, você não notou que nada dele está fora do lugar: ele não bebe, não fuma, é vegetariano, disse que tinha que ter certeza se me amava pra fazer sexo, eu queria fazer muito sexo sem ter nenhuma certeza.

-Acho que ele queria que você o amasse?

-Ele pode esperar sentado, por enquanto só amo uma pessoa : eu mesma, minha falecida mãe o idiota do meu pai sumido ( esse é quase por obrigação ), amo o meu curso e, principalmente, amo a vida.

Retornei das minhas divagações para o velório, olhando para mãe dele pensei: como teve coragem para se enforcar, o cara era médico, cirurgião vascular, vinte e oito anos, era filho único, tinha tudo que o dinheiro podia comprar, parecia um artista de cinema, mais de um metro e noventa, bonito, Sara disse que ele era o Cary Grant dos dias atuais.

Nunca mais vi Sara, mas soube que estava terminando o mestrado de cinema em São Paulo, namorava um músico Angolano.

O velório trazia tristeza, então Cíntia levou os nossos filhos pra casa, fiquei em pé junto ao corpo.

Caio, primo de Roni, se aproximou e disse:

-Ele preparou tudo antes, comprou a melhor corda, deixou tudo pronto, tia Fernanda está arrasada. - Bateu no meu ombro e pegou um papel no bolso do paletó – ele gostava de você, deixou a bicicleta importada dele pra você e um bilhete.

-Não gosto de bicicleta, pode ficar – disse pegando o bilhete com a mão trêmula, fiquei um pouco indeciso se lia ou rasgava, fui até um canto e li:

“Jota, se está lendo isso é que fui para o outro lado, agradeço tudo que fez por mim, foi boa sua companhia e invejo o amor que sente pela Cíntia, mas não posso mais viver, viver é insuportável, tem dias que o desespero toma conta que preciso cortar meu corpo, pois sentir dor para esquecer do desespero, ter que acordar todo dia e olhar no espelho é horrível, não vejo nada lá, minha mãe vai sofrer, conforta Dona Fernanda pra mim, conforta minha mãe, ela te ama como filho, diz pra ela que estou em paz. Ass: seu amigo, ps: fala pra Sara que só com ela eu rolaria no mato por uma vida inteira”.

Rasguei o bilhete, só queria ir pra casa e esquecer tudo, lutar, agradecer a minha vida com Cíntia, os filhos e toda a bagunça.

Cheguei em casa Cíntia dormia, os filhos também, fui até a varanda, olhei pra lua, abri um vinho.

Escutei um barulho e virei, Cíntia estava de pé no meio da sala, a camisola fina deixava o corpo lindo praticamente a vista, aquela visão curava a dor, ela estava sempre linda, andou até a varanda e me abraçou, senti nos braços dela o privilegio de viver.

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 08/02/2023
Reeditado em 08/02/2023
Código do texto: T7714318
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