Que o sol queime nossa pele!

“O que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros. ”

Clarice Lispector

Sexo é imã que atrai todas as pessoas solitárias feito nós. A gente fazia um amor triste. Eu queria transar outras pessoas que não me queriam. Imagino que ela quisesse transar outros caras que não a conheciam ainda. Encontramos um meio termo: fazíamos amor com a janela aberta olhando as pessoas felizes que passeavam na praça.

Nossos olhos percorriam a praça, tão alegres que alucinavam e viam gente e animais transitando pela calçada como peixes em um rio transparente. Eram mocinhas sexies, rapazes bombados e pessoas sexagenárias andando e correndo no mesmo ritmo. Os cães também eram alegres. Até mesmo as mães com seus carrinhos de bebês recheados, aparentavam felicidade.

Improvisamos uma banqueta para que pudéssemos contemplar o movimento lá fora. Eu a penetrava observando a vida que entrava pela janela. Ela sentia a excitação extra e se excitava também. Ali dentro do quarto o único movimento era o dos nossos quadris. Depois de saciados, caíamos na cama, ofegantes. Em seguida, banheiro; depois pizza e banqueta de novo. Revezávamos quem olharia para fora a cada vez. Acredito que as pessoas não desconfiavam de nada, pois estavam entretidos com sua própria felicidade.

Como não há felicidade que sempre dure, um dia ela disse que estava cansada das mesmas posições. Na verdade, desconfiei que ela estivesse cansada de mim. Me senti como uma sopa sem sal que enche a barriga, mas não mata a fome.

Por último eu a procurei avisando que ia trabalhar em outra cidade e que não a veria por um bom tempo. Ela disse ok e me deu um sorriso murcho. Saí tão triste daquele quarto que esqueci meu boné do Corinthians. Fui para o mundo lá fora. Mas, a tristeza estava onde eu estivesse. Procurei e tive outras garotas, no entanto aquela da casinha verde-limão da esquina da praça não saía de minha cabeça.

Retornei dias depois e tive uma surpresa: a janela da casinha estava fechada. Em conversa com a proprietária, ela me informou que a moça havia se mudado. Não deixou endereço, nem telefone. Só uma banqueta, ela disse. Pediu que fosse entregue para mim. Eu aceitei. Olhei bem para a senhora e perguntei o que ela achava. Sorrindo, ela falou que não fazia o seu tipo. Sorri também e saí devagar.

Guardei a banqueta de recordação. Serve para dependurar o jaleco da firma. De vez em quando me pego olhando para ela como um gato olha um pássaro. Então, depois do serviço, troco de roupas e vou caminhar. Certa vez, pensei ter ouvido a voz dela. Depois entendi que ela quase não falava quando estava comigo. Nem eu falava também. Apenas nos usávamos. Mas, era como se cada um de nós tivesse uma voz escondida pronta para ser apresentada em situações diferentes.

E me parece ter sido assim, a situação diferente: eu caminhava, me exercitando ao redor da praça, quando cem metros à frente avistei uma silhueta de mulher que vinha em minha direção. É comum as mulheres bonitas mudarem de calçada quando conseguem me ver a tempo. Mas aquela estava perto demais, vindo rápido demais. A cinquenta metros vi que era ela com roupas de academia.

A trinta metros, creio eu, percebi o boné alvinegro que guardava o cabelo ruivo. E veio vindo. Pensei em afastar-me um pouco e deixá-la passar, mas o desejo não sai do caminho. Parei bem na frente dela. Ela estacou, olhou-me como nunca havia olhado, passou a mão na sobrancelha, limpando o suor e sorriu. Perguntou como eu estava e o que estava fazendo. Respondi que estava bem e fazendo o de sempre. Ela sorriu balançando a cabeça e disse que eu parecia mudado e ela gostou da aparência.

Como o bobo que sou fiquei feliz. Convidei-a para a minha casa e ela disse que ia noutra hora. Estou esperando até hoje. Se bem que foi ontem que a vi. Enquanto ela não vem estou aqui sozinho, rascunhando no word estas palavras tristes. Apenas a banqueta, de frente à janela aberta, acariciada pelo sol da tarde, me faz companhia.

make
Enviado por make em 10/04/2023
Reeditado em 17/04/2023
Código do texto: T7759992
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