Sabor de Jaracatiá

Vasculhando o baú da saudade, me deparei com uma imagem linda: minha saudosa irmã Rufina, sob as folhas generosas do mamoeiro florido, bordando seus sonhos, seus riscos, sua arte simples, em retalhos de algodão, amarelados pelo tempo, nas tardes quentes de verão. Era costume, requisito da da época: para arranjar um bom casamento, toda moça tinha que saber bordar, costurar , ser mulher prendada, dedicada e delicada . E assim minha irmã fugia do serviço da roça... queria sossego, era da sua natureza. A mana sempre fora calma, dócil, compenetrada. Gostava de bordar, alinhavar, reformar, fazer barras, costurar, tudo que lhe desse prazer e paz. Na infância tivera poucas bonecas de verdade para vestir, então, a imaginação ia longe, nas vitrines das lojas da cidade... mas não ficava sem se divertir não, a natureza se encarregava de fazer o figurino das lindas bonecas de milho, com cabelos dourados, ruivos, louros, pretos, era só entrar na plantação, enfrentar o pó de mico e escolher. Qdo ganhou sua primeia boneca de verdade, de um material qualquer, acho que de papelão , graciosa, olhos de vidro, já era mocinha... minha mãe preparou até a festa de batizado, em uma tarde cálida de primavera... com direito a um altar enfeitado de flores do campo, bambuzinhos, água da fonte, meu irmão mais velho, Wilson, vestido de padre...e, depois, para a festa : doce de figo, mamão, pão de ló de ovos caipiras, recheado de doce de coco queimado, coberto de claras em neve batidas com açúcar ... que sabor, que aroma, despertou minha memória olfativa .... nunca vou me esquecer, nunca experimentei nada igual. Dona Chiquita era chef nata. Tinha seus segredos culinários . E também seu dom de bem receber. Convidou a criançada toda da colônia italiana para o grande evento, aquilo era inédito ... coisa de mãe carinhosa , pedagogia natural, catequética, assim ela nos ensinava a conhecer e a respeitar os valores cristãos. O primeiro sacramento da Lei do Senhor. Tempos lindos, de fé genuína, ingenuidade e pureza, simplicidade de coração... E assim o tempo corria. Minha irmã crescia, em estatura e sonhos. Logo o cupido flechou seu coração ... ali, nos passeios pelas quermesses das igrejas visinhas: Selva, Vila Regina, Espirito Santo- um tal Ditinho, descendente de italiano, alto, bonito, cabelo à la James Dean, sempre bem trajado, amável, do modelo que as meninas sonhavam à época ; nesses tempos os namoros eram distantes... um olhar, um sorriso, um toque de mão... tinham sabor de jaracatiá, fruta silvestre, de árvore frondosa, também conhecida como mamão bravo , muito saborosa, mas tinha que passar a noite toda no sereno , salpicada de açúcar para poder tirar o seu leite ácido e ser saboreada...

Bemtevi
Enviado por Bemtevi em 19/04/2023
Reeditado em 19/04/2023
Código do texto: T7767610
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