Reflexos no espelho

 

 

         Ela olhou no espelho sentindo orgulho da imagem nele refletida. Ah, a juventude! Tem apenas vinte aninhos e esbanja exuberância, gostosura e estrogênio pra todo lado. Lembrou o quão feinha era na ocasião de sua adolescência, embora no presente isso não seja mais que uma lembrança nefasta. Sim, tão somente uma recordação sombria do tempo em que vivia no anonimato com a multidão de espinhas hormonais típicas da puberdade. Sua boca abriu-se involuntariamente num sorriso jactancioso. A realidade havia se tornado outra bem distinta. No presente anda nas ruas e vê os homens (que tolos) babando à vista das configurações curvilíneas de seu corpo malhado, dos cabelos tingidos de loiro e das feições dentro do que se convencionou chamar de harmônicas.

 

Está "no topo da cadeia alimentar" entre os da sua classe social. Segundo a legião de seguidores que possui, a maioria homens, é uma verdadeira princesa. Ainda assim despreza a maior parte deles, posto que são homens de genérica aparência.  Ademais, são também desprovidos dos recursos que julga necessários para bancar o tipo de vida que acredita merecer pelo fato de ser tão linda.

 

Deu outro sorriso e piscou os olhos. De repente o que via no espelho já não patrocinava o narcisismo, a vaidade excessiva ou a arrogância. Jamais pensou que quarenta e cinco anos passariam tão depressa. Entretanto, caso não fosse a beleza exterior seu único predicado na juventude, poderia considerar-se bela ainda. Obviamente com a beleza típica de uma mulher de sessenta e cinco anos. Alguém cuja pele, outrora viçosa, agora se via enrugada e sem os traços característicos da juventude. Uma mulher que já não encantava os homens mais novos com o recender de seus hormônios que outrora impregnavam o ar por onde passava. Alguém cujas cãs denunciam que o tempo é um mestre impiedoso, sobretudo para aqueles que com ele nada aprendem.

 

Ela fechou novamente os olhos e dessa vez não os tornou a abrir. Nunca mais… Uma de suas filhas, fruto da relação casual que teve com alguém de aparência não genérica, mirava-se no velho espelho e jactava-se de sua beleza exuberante...

 

"Porque a juventude e a primavera da vida são vaidade." Eclesiastes 11:10

Netokof
Enviado por Netokof em 07/05/2023
Reeditado em 08/05/2023
Código do texto: T7782490
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