Eu e a criança que vive em mim.

Acordo cedo todos os dias,

um pouco menos nos finais de semana, é claro.

Tomo um café e me dirijo ao trabalho. Tenho os processos, sou advogado. Tenho os conteúdos temáticos a preparar, sou também professor. O momento das aulas não considero trabalho, considero uma celebração. É verdadeira alegria poder acompanhar a juventude de jovens estudantes e a garra daqueles que são menos jovens.

A questão é que quando me ponho no meu escritório e me posiciono diante de minha mesa, para além de todos os meus compromissos, que são muitos, tudo o que me vem a mente é aquilo de mais inútil possível.

E não pense você que o termo “inútil”, é negativo.

Veja que o maravilhoso professor Clóvis de Barros Filho aborda com clareza essa questão em sua obra “A felicidade é inútil”.

E se deseja saber mais, leia lá.

O inútil aqui, no mais preciso sentido do termo é: Não tem qualquer utilidade. E isso significa dizer que não me ajudará em absolutamente nada, seja nos processos ou no preparo das aulas, tudo isso que me vem a mente.

Talvez alimente alguma carência de minha alma. Talvez me faça acreditar em algum sonho adormecido. Talvez...

Chegando hoje no escritório imaginei como o Emerson Sheik se sentiu quando no Pacaembú fez os dois gols que deu o título da Copa libertadores para o Corinthians, contra o temido Boca Juniors. De maneira especial, o último gol.

Correu uns 50 metros. 40 mil pessoas no estádio em silêncio. Era a vingança dos pobres.

Festa nas favelas, nos lugares mais simples e esquecidos. Festa dos porteiros com seus rádios de pilha.

Lembro-me do grito da explosão de alegria na minha favela. Do grito engasgado, do desabafo.

Eu queria ser Emerson Sheik naquele momento.

Falando em vingança dos pobres, imaginei como Maradona se sentiu quando meteu os 2 gols na Inglaterra.

Um, o gol de todos os tempos, a homenagem aos caídos nas Malvinas, a homenagem do artista, do pequenino e, também, gigante, do menino de Fiorito que deixou congelados para trás todos os ingleses.

O outro, o gol do deboche, da provocação, do total desprezo pelo adversário.

Naquele momento eu queria ser Diego, aquele que, de todos os deuses criados, foi o mais humano.

Imaginei a sensação do Rodrigo “Minotauro” ao lutar contra Bob Sapp.

Imaginei como ele se sentia ao apanhar tanto no começo da luta, não fisicamente, que fique claro, mas emocionalmente.

Será que seu consciente pedia para que desistisse? Quando venceu a luta, imaginei qual deve ter sido a sensação do abraço que recebeu dos seus companheiros, dos familiares e dos mais de cem mil que o assistiam emocionados no Tókio National Stadium.

Imaginei o Fabrício Werdum quando, sem que ninguém acreditasse, finalizou aquele que é colocado como um dos maiores de todos os tempos do MMA.

Imagino a emoção do jornalista Marcelo Alonso acompanhando tudo isso e de tão perto.

Imaginei o momento em que o Andre Matos compôs “Fairy Tale”. Não qualquer momento, mas o momento em que fechou o caderno, o momento em que cantou e no piano tocou para os seus amigos de banda.

Imaginei quando ouviram pela primeira vez em Mangueira Cartola cantando “Preciso me encontrar”, do Candeia Filho.

Quando pela primeira vez ouviram a Beth Carvalho cantando “Andança”.

Eu queria estar nesses lugares, em todos esses.

Eu queria ter uma máquina do tempo.

Poderia te falar aqui de muitos outros lugares, de muitas outras situações, mas a verdade é que preciso voltar ao trabalho.

Quem sabe amanhã, pela manhã, quando chegar ao escritório para as primeiras atividades a criança que vive em mim volte a me chamar.

Se isso acontecer prometo que para tudo e, mais uma vez, lhes conto uma nova história, em uma nova perspectiva.

Nicollas Madeira
Enviado por Nicollas Madeira em 06/06/2023
Código do texto: T7807299
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