DOS SAPOS E PRÍNCIPES

Apesar do imenso amor que unia tia e sobrinha, o mais certo era ouvir-se, entre oito e nove da noite, quase que diariamente:

- Coisinha arengueira! Enxerida! Sapa!

Xingava a tia, doida por namorar, com a Danizinha, três para quatro anos, que freqüentemente lhe atrapalhava o melhor dos beijos. Choro na certa:

- Ô mãe, a tia dizeu eu sapa!

- Não é não, minha filhinha – dizia a mãe fuzilando a ousada com os olhos, umas poderosas metralhadoras verde-folha – Você não é sapa, é princesa!

Já sem lágrimas, Danizinha dava uma carreira pra junto da tia, atrapalhando a educativa atividade do pega-aqui-pega-ali.

- Viu? Viu? Minha mãe dizeu eu pincesa! Pincesa!

- Princesa sapa! – emendava a tia, enxotando-a delicadamente, e voltando para a atividade onde se empenhava. Afinal o namorado trabalhava fora e o fim de semana revelava-se curtíssimo para tanto assunto. Com tantas interrupções a pauta jamais ficava em dia.

Um belo dia, já enervada com a insistência da menina, a tia, com o fito de distraí-la – o namorado tinha coisas sensacionais a ensinar justo neste dia – mostrou-lhe uns sapos que madornavam no jardim.

- Tá vendo ali, Danizinha?

- O que?

- Aqueles sapinhos?

- Tô!

- Pois fique sabendo que o Alfredo também era um sapo – disse a apaixonada apontando para seu galã, sem saber que estava profetizando a verdade para os anos futuros, quando o encanto se desfaria – Mas, eu o beijei e ele virou esse príncipe aqui.

- Foi? – perguntou Danizinha duvidando seriamente da tia e principalmente do sangue azul do noivo a seu ver bem comum, pois que nem cavalo branco tinha!

- Pois foi! – tornou a tia, certa de que aquele título de príncipe, dado tão generosamente ao Alfredo, lhe valeria muitos e muitos beijos – E tem mais!

- É?

- É! – afirmou a tia – Se você quiser um príncipe moreno, beija o sapo mais escurinho, se você quiser um príncipe louro, como o Alfredo, beija o amarelo. Vai lá!

Ora! Danizinha era pequena, mas, não era nada tola. Essa afirmação dos sapos que viram príncipes era das historinhas para dormir que ouvia, por isso tinha certamente algum fundamento; mas nas historinhas bichos e plantas falavam também e, embora não desistisse do diálogo com ambos, na vida real eles só ficavam quietinhos concordando com tudo que ela, a pincesa do reino encantado do jardim, lhes dizia. E tinha a impressão que não era por causa do profundo respeito que devotavam à sua majestade.

Pois perguntaria à mãe, fonte inesgotável de conhecimentos. Em ocasião de estarem sem a presença da tia encrenqueira, perguntou-lhe:

- Mãe?

- Que é filhinha?

- Ô mãe!

- O que é, minha filha? – respondeu a mãe um tanto atrapalhada com a manobra do carro – Diga!

- Mãe, a tia dizeu que se eu beijar um sapo ele vira pincipe. É mentira dela, mãe?

A mãe levou um minuto para refletir. Sua experiência com sapos e príncipes era um tanto traumática. O calor estava grande e a manobra do carro complicada.

- Olha aqui, minha filha, eu não sei. Quem entende bem desse negócio de sapos e príncipes é a tua tia!

- Mas, vira ou não vira, mãe?

- Olhe eu não sei! Só sei que uma vez beijei um príncipe e ele virou um cururu pei-pei deste tamanho.

- Era meu pai, mãe? – perguntou subitamente a menina, que lá no fundo do seu inconsciente tinha suas razões para achar que sim, embora lutasse contra isso.

- E teu pai é um sapo? – respondeu a mãe, já refeita da surpresa e sem poder dizer que era isso mesmo.

- Não.

- Pois então não é ele. Foi outro príncipe que eu beijei.

Conformada com a resposta, Danizinha passou a tomar conta de outros assuntos, do que ia vendo pela janela do carro. Ao volante, a mãe pensava que teria uma séria conversa com a irmã, sobre sapos e príncipes.