A CASA DO HOMEM QUE TINHA ALMA

Não fazia muito tempo que havia se mudado para aquela casa. Tinha boas condições de vida, tanto que empregou uma doméstica. Era solteiro, tinha sido abandonado pela noiva. Mas ele não perdera a capacidade de amar. Amava ainda a noiva, e a ela devotava seu coração. Sempre que o assunto das conversas com os mais amigos caia em amor, era dela que falava. Mas isso acontecia com raridade.

Aquela casa era grande e confortável. Ali ele se sentia bem. Ali ele descobrira maneiras de ser feliz. Não misturava sua felicidade cotidiana com seu caso de amor. Afinal, a noiva o abandonara já fazia tempo. E ela habitava mas era o seu coração de ser que amava. E amava e temia principalmente a Deus. A ela ele amara como mulher que poderia ter vindo a ser sua esposa. Noivado rompido bruscamente por ela, como querem vocês que ele se console e a esqueça? Ele não consegue, teve outras namoradas, mas por nenhuma dessas sentiu o que sentiu por sua ex-noiva. E amor de verdade, como querem vocês que eu o explique? Conversando com ele, nem ele explica o caso. E falo dele aqui e agora porque eu me tornei o jornalista encarregado de entrevistar o homem de letras que está sempre escrevendo sobre o amor, que é ele. E vim aqui hoje, à casa dele para mais uma destas entrevistas, que compõe uma série com as outras entrevistas.

Cheguei de manhã, estava entrevistando o nosso escritor. Fomos interrompidos pela doméstica. Sabíamos nós dois que era alguém à porta. Pois a campainha da casa soara, donde estávamos ouvimos. E aí a doméstica tinha nos alcançado. Interrompemos nossa entrevista. E ouvimos a mulher dizer:

- Está aí na porta um mendigo.

Imediatamente vi o escritor se levantar e sair de onde estávamos para ir até à porta de sua casa.

Segui o homem, e meu coração de jornalista se enterneceu. Vi-o conversar com o mendigo, volver os olhos para mim, e me falar:

- Já está na hora do almoço. Você vai almoçar conosco - se dirigindo a mim.

Os leitores talvez pensem em constrangimento. De maneira nenhuma pensem assim, sou eu quem peço.

E muito à vontade nos sentamos à mesa da copa da casa dele. Eu, a doméstica, o mendigo, e ele. E nos pusemos a comer aquele almoço feito com o carinho da doméstica, almoço que estava delicioso.

E, para finalizar, digo que conheci um homem notável pela sua fé e pelo seu amor em Deus. Deus, este mesmo que nos criou à sua semelhança, e que nos dá pensamentos que nos fazem abandonar o nosso egoísmo e a nossa vaidade habituais para almoçar lado a lado com um mendigo, na casa de um homem famoso.

E, leitores, digam vocês: não estava eu na casa de homem que tinha alma?

20/06/2023.

Aristides Dornas Júnior
Enviado por Aristides Dornas Júnior em 20/06/2023
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