10 MINUTOS

Caminha pela calçada sob um céu sem cor, um vento corta o ar de forma que o ar quente parece se esvair ou mudar de direção. Apressa os passos na medida que sente algumas gotas começarem a cair, abre a mochila retira seu guarda-chuva e abre. Frente á avenida para, aguarda o semáforo da avenida abrir junto de uma gente que parece ter todos juntos a mesma pressa de atravessar e seguir numa só direção. Não conhecia ninguém apesar de passar todos os dias, mesmo horário, naquele local ou, talvez, não olhou ao redor com a intenção de procurar algum rosto conhecido, seu objetivo era claro e definido: chegar à escola sob aquela chuva que agora caía de forma mais intensa!

Lembrou e sentiu falta do guarda Paulo que, quando era mais criança, parava o trânsito para todos atravessarem num só tempo ao seu comando. Era divertido a forma com que aquele personagem direcionava toda garotada com um sorriso largo na sua face morena, eram momentos rápidos e ligeiros que faziam esquecer ou não entender o medo da polícia que imperava nele. Onde será que estava o guarda Paulo dos anos anteriores?

Semáforo verde, carros estancaram e todos, num só movimento, caminham sobre as linhas brancas que mal era percebida diariamente, mas a cabeça baixa força sua observação junto com o exército restante. Numa marcha só estavam todos a salvo no outro lado e a dispersão pareceu combinada.

Segue a passos firmes e compassados pela calçada. Um vulto, em sua direção, chega à sua direita e, passando o braço pelo seu ombro, ajeita-se sob o guarda-chuva:

-Me dá uma carona?

Um sorriso aberto em seu rosto bonito brilhou de uma forma encantadora e constrangedora. Não está acostumado com um braço daquele à sua volta. Falta a voz -acha que nem responde- o coração palpita, a respiração exaspera, tudo num só tempo e momento. Era a professora de francês, moça nova – mais velha que ele, lógico- e o confundia com seu olhar.

-Essa chuva me pegou desprevenida... esse tempo maluco!

-É...

-Ainda bem que te encontrei, dei sorte. Ia chegar ensopada pra aula!

-É...

Como será essa caminhada, tão trivial e costumeira, com aquela companhia tão inesperada, com um abraço tão justo, com o corpo tão próximo e uma voz tão rente à sua face? Sente corar. Sente arder, apesar do vento úmido e o ar molhado. E a voz fala e pergunta e ele não sabe onde está, apenas caminha a passos largos, mas agora tem que ter um ritmo, um compasso, é quase uma dança, lembra que não sabia dançar. Nunca dançou.

-Nossa, você não tá com frio? Esse seu casaco é fino.

-Não.

-Sabia que podia chover hoje, mas achei que fosse mais fraca e mais tarde. Ainda bem que peguei esse casaco.

- Foi?

-Então, ouvi de manhã na TV, mas sabe né? Eu sou a rainha do esquecimento, o guarda-chuva que também deveria ter pegado, ficou.

-Nossa...

-Espero que acabe até o final das aulas... se não, quero ver como faço. Acho que vai ser passageira...

-É.

Há um vento mais forte, talvez rampante, até traiçoeiro ou coisa assim, a ponto de ter que se chegar mais próximo como fosse preciso se esconder. Não sabe se tem que usar seu braço solto numa resposta de abraço e melhorando aquele esconderijo. Tem que fugir dos buracos da calçada, fendas com ervas, saliências que surgem fazendo com que os movimentos da dança não sejam tão ritmados ou musicados. Agora o tempo parece correr mais que o relógio, mas os passos são em câmera lenta fazendo quase tudo à volta flutuar. Os minutos passam, o caminhar arrasta.

-Você vai se resfriar, menino! Tem que se protteger...

-Magina...

-Ainda tem que fugir desses buracos todos! Difícil, não?

-É...

Param, têm que atravessar uma rua. Se olham num susto e um riso, talvez uma gargalhada escandalosa, pela imprudência se faz cumplice em seu rosto. Não sabia dançar, como poderia explicar que esses movimentos não são de seu conhecimento se não com uma gargalhada nervosa? Podem seguir, mas parece que a chuva acalmou ou, então, já estavam tão embrulhados sob aquele guarda-chuva que nada parece mudar. Seu braço, agora, está em torno de sua cintura fina. Apesar do casaco, ou algo assim, percebe a curva e o acinturado da professora.

-Fora os carros! (Risos) Que susto, pelo menos parece que a chuva tá acalmando...

-Verdade... (Um sorriso amarelo no rosto)

-Vamos!

Seguem pela calçada, ele não tem mais a noção de quanto tempo estão caminhando juntos nem de quanto ainda falta para chegar à escola. A noção de distância ficou lá atrás, no momento que aquele vulto tomou seu ombro, de repente. Como gosta da expressão “de repente”, percebe o quanto inesperado é o movimento que ela representa, significa. De repente até percebe seu perfume, como não havia notado antes? Talvez o torpor daquele embrulho repentino o tivesse tomado. Mas é bom, exala, penetra pelas narinas e invade, misturando-se ao respirar e à taquicardia que, como a chuva, parece abrandar, mas sem sinal de terminar.

-Menino, uma vez quase fui atropelada. Se o carro não para...

-É? Eu já fui...

-Nossa! Mesmo? Faz tempo?

-Mais ou menos, há 2 anos...

-Machucou muito?

-Quebrei o braço...

-Nossa, mas ficou bom?

-Mais ou menos...

A calçada, entre trincas e cacos, parece brilhante sob seus passos ainda apressados num compasso quase único sem nenhum tropeço. Aqueles corpos únicos, numa dança que não tem uma música a levar, parecem que evoluem entre os respiros ofegantes que sopram entre as palavras e frases que ele não consegue ouvir ou interpretar. Aquele momento não parece terminar junto com o brilho passando sob seus pés: rápido, lento, um movimento ligeiro em câmera lenta.

-Quase chegando, até que foi rápido.

-É...

Um muro bege agora os acompanha, quase roça o seu braço de tão rente que se comprimem como se fugindo do meio fio. Agora parece estar próximo o portão da escola, o movimento de pessoas parece aumentar assim como as conversas desencontradas e sem contexto.

-Acho que não fomos só nós que fomos pegos pela chuva.

-É mesmo...

Giram à esquerda num movimento sincronizado, como um rodopio de um balé meio esquisito adentram o portão em direção ao pátio e, novamente, de repente tudo se desembrulhou tão rápido, mas, ao mesmo tempo, seu braço escapava da cintura numa vontade tão preguiçosa não querendo soltar.

-Chegamos! São e salvos!

-Verdade.

-Obrigada pela carona.

-De nada.

Ela agradece com aquele sorriso largo sem fim, um beijo no rosto e vailigeira para as escadas à direita. Ele estanca, fecha o guarda-chuva num movimento rápido, procura livrar -se das gotas e, sem estar certo do que aconteceu, busca um canto para esperar o horário de entrada chegar.

-Será que alguém viu o beijo que ela deu?

Pergunta entre seus pensamentos confusos e imerso naquele perfume que jamais esquecerá. Acha.

CARREIRA
Enviado por CARREIRA em 01/07/2023
Código do texto: T7826667
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