O dia que o pai tentou ser uma mãe

O que deixou o povo triste em 2014, se perguntar pra qualquer brasileiro foi aquele 7 a 1, pra mim foi o mês que a minha mulher viajou.

Tarde de uma quinta-feira de agosto, minha esposa pegava um avião para São Paulo e me deixava sozinho com as minhas filhas, uma de seis anos e outra de oito.

A máxima é: menina faz muito menos bagunça que menino, quem disse nunca ficou com duas meninas em casa sem a mãe.

A sexta feira começou com a birra para o banho, quem ia primeiro, quem não ia de jeito nenhum, e eu , ao mesmo tempo, tentando fazer misto quente para o café da manhã.

-A gente não come isso pai – disse a de seis anos.

-O que vocês comem?

-Mingau, ovinho – ela completou, enquanto a de oito estava no banheiro.

Abri a geladeira não tinha ovo, coloquei um vídeo no youtube para saber como se faz um mingau, aquilo parecia alquimia pura!

Ouvi um grito no banheiro, cheguei lá a de oito anos estava enrolada na toalha e a água saia pelo registro como uma cachoeira, tanta água que batia no vidro do box, eu tomei a decisão idiota de parar o vazamento com a mão, resultado : fiquei igual a um pinto molhado, escorregando na água de sabão e aquelas duas rindo da minha cara.

-Esse treco deu problema de novo – disse a de seis anos chegando na porta – da outra vez a mamãe resolveu com a borrachinha do cabelo.

O banheiro estava inundado, minha mulher resolveu isso com uma borrachinha de cabelo, quem é ela?  MacGyver ?

Pensei: é só desligar o registro, segurei a cachoeira com a mão, a água entrava no meu olho e na minha alma, mandei a de oito anos ir até o registro desligar, ela foi de boa, botou uma roupa e foi, eu disse que era próximo do portão, ela voltou e disse que não tinha funcionado, vou ligar para a mamãe, ela sabe, eu disse que não, meu orgulho não poderia ser ferido nesse momento, deixei a água correndo solta e fui até o jardim.

Quando voltei as duas meninas estavam pulando na água, ou seja o registro não estava funcionando, a menorzinha disse:

-Vem pai essa água está muuuito boa!

A água corria e inundava tudo: cozinha, parte da sala, corredor, fizemos uma reunião rápida e resolvemos ligar para a mãe.

-Jota, estou no meio de uma reunião.

-É uma urgência.

-Tá com defeito, já tinha te falado mês passado, chama um técnico – ela falou o telefone do técnico e desligou.

Chamamos um técnico que depois que terminou o serviço ele me olhou com pena e falou:

-Quantos dias sozinho?

-Um mês.

Ele assoviou e disse:

-Você está muito ferrado, eu costumo chamar a minha sogra, tenho dois meninos e uma menina.

Passamos uns dois dias comendo pizza e almoçando sanduíches, a diretora ligou e perguntou porque a de seis anos tinha levado chocolate como lanche, eu disse que éramos uma família liberal, depois que deliguei fui direto tirar satisfação com ela que estava arrancando as roupas das bonecas.

-Você levou chocolate para o lanche?

-Não foi culpa minha, não tinha nada pra comer, você não foi no supermercado.

A de oito anos veio até a sala e falou:

-Pai só tem água e cerveja na geladeira, não tem suco pra escola, você foi na feira?

Na terceira semana eu tinha tudo anotado, segunda lavar roupa na máquina e estender, terça a faxineira vem, quarta levar as meninas no pediatra, quinta ir ao supermercado, sexta lavar roupa de novo, sábado ir na feira e entrar em coma no domingo.

Faltando três dias para a minha mulher retornar eu estava no quarto assistindo filme com a de oito anos quando dei falta da filha de seis, onde ela estava?

Muito quieta, ela está aprontando alguma coisa.

Fui até a sala, olhei da varanda e vi fumaça.

-Jesus, onde achou esses fósforos! - o fogo estava começando.

Peguei o galão de água do bebedouro e joguei no fogo, derramei tudo, o galão escorregou da minha mão e caiu no chão, praticamente explodiu, dando um banho em tudo em todos, sobrou as cinzas onde davam pra ver as fronhas das travesseiros e bonecas peladas.

-Papai essa é a nossa água – disse a de oito anos.

-Compro outro galão.

Tem mais, muito mais.

O pequeno relato diz muito o que foi a minha esposa para essa família, não comemos direito, não dormimos direito, o pai está ali para ajudar, porém o instinto materno a força de uma mãe prova em definitivo a existência de Deus.

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 05/07/2023
Reeditado em 07/07/2023
Código do texto: T7829869
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