ONDE SE CONTA O FAMOSO CASO DO ASPIRANTE A PROXERNETA

O bordel se inflava de gente. Mas para Madame só estava bem assim, por que era desse jeito que o dinheiro entrava. E o dinheiro não era a mola que movia o mundo? Ao seu ver enquanto no mundo existisse o dinheiro ele não se acabava tão já! E tudo ia bem e continuaria se não fosse aquela maluca da Bezinha ter caído de amores pelo filho do Doutor Salustiano Bezerra, vereador de rancho certo. Agora a doidinha não desgrudava os olhos da porta, ansiosa por ver o fedelho.

- Fedelho, sim senhora! – gritou madame quando se deu conta do caso. Braba que só a peste – Deixe-se de maluquice, Bezinha! Você não está vendo logo que isso vai dar em bagaceira e das piores?

Mas o quê? Bezinha estava mesmo era doida de paixão pelo moleque, que, sabido (puxou ao pai) deu logo de aproveitar a paixão da pobre.

Pagar? Qual nada. Comia e lambuzava-se, tudo de graça, no gratuítes. Bezinha era quem pagava da parte dos outros, que devia ser sua, as estripulias do moleque.

- Moleque, sim senhora! – diziam, com razão, as outras. Como Raimunda, mulata das ancas de égua e língua ferina, a Amara, sarará de dente aberto e olho azul, a Odete, morena chá dos cabelos escorridos de índia.

- Moleque safado, Bezinha! E tu, feito lesa perdendo tempo. O seu Heleno disposto a lhe bancar e você perdendo tempo com esse moleque!

Mas, o que? Bezinha olhava bem nos olhos daquelas putas e dizia em tom de desprezo.

- Vocês têm é inveja da paixão de Nozinho por mim!

Um dia Raimunda não resistiu e desfeiteou.

- Tu também é puta, minha nêga. Ou já tá se achando noiva do fedelho?

E caiu numa risada doida, que contagiou as outras. Bezinha espumou de ódio. Espumou, mas não mudou de rumo. O moleque estava cada vez mais insuportável, esvanecido que só a gota serena, cheio de vida.

A pobre da Bezinha fazia pena. As outras tinham, sim, pena e dó da coitada, que vivia que nem lesa, esperando uma palavra, um gesto de carinho, uma consideração. Às vezes o safado aparecia com um amigo e ela dava para os dois, de graça.

Mas que consideração podia-se esperar de um moleque viciado daqueles?Um sujeitinho mal criado, metido a cocô de louro? As outras não se deixariam levar por maluquice igual. Era bonitinho sim, o nojento, mas e de boniteza se vivia? Qual!

Bezinha não lhe achava defeitos, e sim as qualidades daquele corpinho jovem, cheiroso, firme e imberbe – logo ela que tinha tanto nojo de homens peludos, a seu ver macacos – uma sensível diferença para quem estava habituada à flacidez, às pelancas, às barrigas de bebedores de cerveja inveterados, às doenças de pele ou de rua dos fregueses habituais de Madame. E os olhos? Que lindo par de olhos azuis tinha Nozinho!

- Meu menino é lindo! – dizia ela enlevada e suspirante.

Madame começou a pegar ódio daquele chamego grudento. Bezinha era das melhores putas da sua casa, tinha freguesia certa e endinheirada, e agora, estava cheia de mungangas! Mandou chamá-la e foi logo bem clara.

- Essa semana você não rendeu nadinha. Se o talzinho não lhe paga não tenho nada com isso, mas o dinheiro da casa tem que pingar, ou vá se estourar nos infernos!

Bezinha ficou branca, depois bem vermelha.

- É que Nozinho tem ciúmes de mim, Madame. Fica que nem doido quando sabe que eu estou ainda fazendo vida! Ele me quer só pra ele, Madame.

Disse isso com um riso que ia de uma orelha a outra. Madame subiu a serra, olhos arregalados, boca espumante, voz de trovão.

- E como vai ser isso? Você vai descobrir uma botija, é? Tem graça! Então o moleque não lhe quer na vida, não é? Ora mais que atrevimento! E você ainda fica aí, sorrindo como uma besta, é? Fique sabendo que não estou para aturar essa qualidade de doidice, quer ir com o talzinho de graça, quer sustentar o fedelho, por mim não estou nem aí. Mas me dar prejuízo é mais quinhentos! Trate de se arrumar e ir pra sala esperar freguês.

Os gritos de Madame atraíram as outras, já no salão, mas ninguém era besta de se meter com madame quando ela se enfurecia. Tinham pena era de Bezinha, que bateu em retirada, murcha, e foi se arrumar, os bonitos olhos tristes e lacrimosos.

À noite bebeu como se quisesse se afogar. Cachaça pura. Os fregueses chamavam.

- Vem cá, moreninha! – e ela ia. Mas o bafo de cana era de espantar.

E depois, mesmo sentada no colo do freguês, quem havia de querer aquela peça fria, como uma morta, que se deixava bolinar, mas não reagia?

- Quando quiser trepar com defunta, vou no necrotério! – disse o cliente, aborrecido.

Madame acionou Jacinta, uma magrela espevitada, especialista em boquilha.

- Ó seu Américo, deixe-se disso, o senhor nunca saiu mal servido de minha casa! – e virando-se para Jacinta, disse em voz doce - Menina, venha fazer um chamego em seu Américo! E não cobre nada ouviu? Ele é um dos meus melhores fregueses.

No outro dia o bordel estava num silêncio de velório, um clima de morte e paixão recendia no ar como um futum de estrebaria. Bezinha curtia uma cachaça mãe e Madame rugia e espumava, como uma fera enjaulada, pronta para comer o primeiro que lhe cruzasse o caminho. E esse alguém era Bezinha, quando acordasse e desse por si.

O barulho ia ser grande, cada uma tratava de por-se a salvo. Bezinha podia esperar.

E naquela mesma hora na calçada do colégio Marista, o formoso Salustiano Bezerra Filho, mais conhecido por Nozinho, aspirante à proxeneta, reunia dois colegas, Manoel e Albino para, juntos, irem ao bordel.

- É bem gostosinha mesmo, e apaixonada por mim, faz tudo que eu mandar. Agora vocês tratem de arranjar dinheiro, por que de graça ela só dá pra mim.