PAVILHÃO C

Possivelmente este será o último semestre em que tenho aulas no Pavilhão C. Depois de cinco longos anos tendo contato com os mais diversos assuntos é muito estranho ter que afastar-me dele. Nesse pequeno espaço da UFPA minha mente viajou de conteúdos que mostravam o sujeito a partir de uma função estímulo-resposta até aquelas que o colocavam como um feixe de pulsões e conteúdos inconscientes, tudo isso sendo atravessado por processos sócio-históricos e etc., etc. Saber que nunca mais terei aulas nele me deixa com uma sensação esquisita. Faltam-me palavras para definir o que estou sentindo agora.

Pode parecer sentimentalismo barato, mas não tenho culpa se de repente foi nesse pavilhão que parte do que sou foi construído. Foi nesse lugar que conheci gente de todo tipo, onde tive aulas empolgantes seguidas de outras maçantes, onde me vi feliz e também triste. Este pavilhão que me viu chegar sem um fio de barba na cara agora me vê quase um “doutô”. Um pavilhão em que seu fosse contar os metros em que já andei por ele dariam dezenas de quilômetros.

É interessante lembrar que, ao andar por ele de ponta a ponta, ocorria de você escutar um grupo aqui discutindo os eixos do processo psicoterápico, outro ali falando abobrinhas de todo tipo e alguém mais adiante conversando sobre suas questões pessoais.

Pavilhão C que eu sempre considerei um verdadeiro laboratório humano, onde você poderia se deparar com todo tipo de gente, a fauna e a flora reunidas. Um rápido olhar permitiria encontrar estudantes altamente politizados, reacionários de toda espécie, pessoas tímidas, outras barulhentas, alguns que demonstravam ter tantas dificuldades que mais pareciam uma via crucis, outros muito religiosos e uns poucos ateus praticantes. Nesse lugar toda a diversidade sexual da espécie humana poderia ser encontrada. Ricos e pobres, pretos, mulatos, pardos e brancos também circulam por aquelas bandas. Doutores e bacharéis, artistas e leigos, capitalistas e comunistas vivem se esbarrando por lá.

Pavilhão C que você sempre fez questão de dizer com orgulho que era o “pavilhão dos psis”. Pavilhão C que sempre serviu como ponto de referência (“olha estarei no C às 16 horas”). Pavilhão C que sempre parecia mais silencioso nas sextas-feiras.

As paredes dele estão cobertas de cartazes de todos os tipos. Eles convocam para algum evento político, um seminário qualquer, congressos, shows de música, peças de teatro, avisos diversos. Muitas vezes ele está apinhado de cadeiras, que foram colocadas pelos alunos, para que estes possam ficar conversando em grupo enquanto o professor não chega.

Do garoto que entrou conferindo os pontos conquistados no vestibular restou o sujeito preocupado com o seu futuro profissional. Daqui há muitos anos este mesmo sujeito talvez esteja conversando com alguém a respeito do tempo em que fazia universidade, talvez esteja lembrando dos antigos colegas de curso que não vê há tempos imemoriais. Quem sabe um dia ele não falará do antigo pavilhão C?

De tudo o que aconteceu ao longo desses cinco anos só irá restar a saudade de algo que não voltará mais. O FUTURO DE UMA SAUDADE NUNCA ESTEVE MAIS NO PRESENTE DO QUE AGORA. De repente tudo aconteceu e passou tão rápido que você nem se deu conta. Agora é hora de partir...

* 151187-070823

** Atualmente o Pavilhão C não existe mais como local destinado a aulas. Seu espaço hoje é utilizado para atividades de assistência estudantil e inclusão social.

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 07/08/2023
Reeditado em 07/08/2023
Código do texto: T7855221
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