Princípio de sucumbência

Pela vidraça do café eu vi o grupo de sempre sentado lá dentro, à volta de uma mesa: George, Alex, Terry e a única mulher dentre nós, Abigail. Conversavam calmamente, enquanto aguardavam a minha chegada. Os pedidos ainda não deviam ter sido feitos, mas a garçonete já sabia o que todos iriam querer; fazia tempo que nos reuníamos ali.

- Cinco anos, não é? - Disse para eles quando me aproximei da mesa.

- Cinco anos o quê? - Questionou Terry, indicando a única cadeira vazia junto à mesa.

Sentei-me e cumprimentei a todos com um aceno de cabeça.

- Que nos encontramos aqui para celebrar a nossa recuperação - explanei com um sorriso sardônico.

- Ah sim, a nossa recuperação - suspirou Abigail, fazendo um aceno para a garçonete. Ela aproximou-se com um bloco de notas na mão.

- O de sempre? - Indagou, sem fazer menção de que ia anotar alguma coisa.

- O de sempre - assentimos.

Ela retirou-se e me voltei para Abigail.

- Na prisão, não tínhamos essas regalias - comentei com uma piscadela.

Ela fez uma careta.

- Tentei convencer a carcereira de que era vegana, e ela riu na minha cara. Disse que eu poderia comer sem mistura, era a única opção disponível para "gente como eu".

- Gente como nós - ecoou George, num tom gentil e sem mágoa. Parecia realmente que havia perdoado todo mundo pelo mal que havia recebido.

- Temos que ser agradecidos - exortei-os com ironia. - Afinal, estão se esforçando para nos reintegrar à sociedade... deles.

- E temos que parecer conformados - disse Alex. - Afinal, devemos estar sendo filmados.

- Sem áudio? - Abigail ergueu as sobrancelhas bem-feitas.

- Não precisam de áudio - especulou Alex. - Afinal, o que poderíamos estar tramando? A derrubada do governo?

George, Terry e Abigail o encararam com censura. Apenas eu demonstrei que havia apreciado a ironia.

- Eu vi Maia na TV ontem - anunciei. - Num programa de entrevistas. Falou como estava satisfeita por ter sido curada.

Os outros quatro balançaram as cabeças em concordância; sim, eles também haviam visto.

- Maia disse que gente como nós deveria estar internada - sussurrei, com raiva. - Ela se assumiu como a traidora que sempre foi.

George deu de ombros.

- Maia apenas parou de lutar contra a correnteza; se deixou levar.

- Por que você não faz o mesmo, George? - Questionou Abigail.

George esboçou um sorriso.

- Talvez não tenha notado, mas a correnteza arrastou a todos nós e nos jogou na praia; como detritos trazidos pelo mar.

Ninguém teve coragem de contradizer George, até porque a garçonete chegara com os pedidos. Era melhor que déssemos a impressão de que éramos apenas outro grupo oficial de ajuda mútua, mantido pelo governo.

Um governo que, naturalmente, nós já havíamos desistido de tentar derrubar.

- [18-08-2023]