Doutor Dino

O nome dele é Daniel Neves Lourenço da Silva, mas o apelido pegou e todos o chamavam de doutor Dino, formado em 78, já com alguma idade, Dino nunca teve certeza porque escolheu a medicina, nem como parou na pediatria, certo que já haviam três décadas.

Três casamentos acabados, cinco filhos, todos casados, Dr Dino contava tudo numa caderneta, mais de cinco mil horas perdidas de sono, dias estressantes, batizados, formaturas, aniversários, todos esquecidos por um plantão de mil reais.

Uma vez o amigo Zeca disse:

-Você está salvando vidas Dino.

-É? Olha só: estou me matando.

Dias atuais a pediatria foi invadida por médicos novos, sarados bonitos, meninas com elegância de modelo, então Dino resolveu fazer procedimentos estéticos e esconder a careca com uma peruca caríssima que comprou no Uruguai, único país que visitou na sua vida inteira.

Estava bonito, segundo a sua atual namorada Klotilde, com K, técnica de enfermagem, só que no ardor da relação íntima Klotilde com K, pedia que tirasse a peruca.

-Gosto de tu careca.

Em setembro, com salário baixo, várias prestações para pagar, dois filhos estudando medicina na Colômbia, ele resolveu trabalhar de PJ.

-O que é isso? - perguntou Klotilde com K.

-O quê?

-PJ.

-É uma forma de trabalho escravo que você não tem direitos, não é coisa pra fraco, tem que aguentar tudo do chefe, tudo dos pacientes e atender pra caramba.

Os dias se passaram e ele foi trabalhar nas periferias infernais, Zeca disse que se ele trabalhasse trinta dias direto de PJ ele compraria um carro novo que ia combinar com o visual transado.

-Gosto do meu chevette.

Klotilde com K falou:

-Deixa de ser pobre, compra o carro, esse chevette tá quase batento o motor.

Resolveu comprar logo o carro e pagar no carnê, estava suando pra pagar, iniciou a empreitada, 30 dias, trinta plantões.

O mês foi sofrido e no vigésimo dia a coisa estava feia, ele já tinha brigado com dois pacientes, com a médica pediatra doida que odiava Dino, usava roupa de hippe e não atendia ninguém, passava o plantão inteiro fazendo crochê.

Zeca disse:

-Ela é efetiva, deixa essa médica quieta, hoje quem trabalha são os PJ.

Klotilde com K não estava gostando de tanto trabalho, Dino mesmo com remedinho azul estava pifando na hora H, e quando ele disse que ia ter que trabalhar no domingo para pagar o carro novo ela explodiu.

-Vai a merda, domingo é nosso dia da cerveja.

E foi no domingo que tudo aconteceu, chamou a décima criança, entrou a mãe com short curtinho, unhas de gel, cabelo bem tratado e cílios longos, o menino tinha cinco anos, começou a andar pelo consultório, Dino pensou:

-Esse guri está de boné, guri de boné é o satanás em pessoa. - ele deve ter pronunciado a palavrinha Satanás bem baixo, mas essas mães têm ouvido de tuberculoso.

-O que o senhor disse?

-Nada. Bonitinho ele.

-Uhum... ah tá.

O menino levantou a lixeira, subiu na maca, jogou todos abaixadores de língua na pia, depois cuspiu, chamou Dino de vaca, e nesse momento Dino quase perdeu a paciência, mas lembrou do que Zeca disse:

-Dino, Dino, olha lá, agora você é PJ.

Pegou o menino no colo, nesse momento, o muleque puxou a peruca de Dino, com uma força na mão que desgrudou a cola, pulou do colo e saiu correndo pelo corredor carregando aquilo na mão e Dino gritando:

-Menino me dá isso que custou muito dinheiro.

A senhora com o neto gritou:

- O menino está com uma aranha na mão?

-Não vó acho que isso é um orgão sexual feminino, igual ao da tia Nana. - a avó tampou a boca do menino.

O enfermeiro Paulo falou:

-Uai, doutor Dino é careca, gente! Morria sem saber.

O garoto entrou no banheio jogou a peruca do Dino no vaso e deu descarga.

A mãe atrás, pegou o menino no colo e disse:

-Pelo amor de Deus! Que médico louco, ainda chamou meu filho de Satanás que eu ouvi, isso não vai ficar assim não.

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 25/08/2023
Reeditado em 25/08/2023
Código do texto: T7869932
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