Outono Vazio

Uma tarde fria, assim como a solidão que invadia aquele corpo. Ninguém se arriscava a andar as ruas. Carros estacionados; um cachorro que procurava aflito um abrigo para se esconder do vento forte que carregava no asfalto as folhas secas daquele outono que queria ser inverno.

Portas e janelas fechadas; nuvens carregadas e cinzentas encobriam o céu, já a avisar da tempestade que estava por chegar. Dentro do quarto, bonecas arrumadas na prateleira, a cama que havia sido arrumada mais parecia um ninho aconchegante, uma escrivaninha que sobre ela continha livros e cadernos, lápis de cor, um abajur e uma caixinha de música que lhe fora dada para guardar suas pequenas coisas que lhe parecessem importantes.

De volta à janela, o olhar enchia-se de lágrimas. Aquela tamanha solidão lá fora e dentro de si parecia gêmea. As horas passavam e a porta não se abria. Não lhe restava nada além de debruçar-se sobre aquele ninho e chorar até que adormeceu.

Um dia de céu azul, sol irradiante, crianças a correrem naquela rua entre pessoas indo de um lado ao outro. As árvores carregadas de folhas verdes que escondiam passarinhos de vários gorjeios; a vizinha que chamava o filho para o almoço, o cachorro que abanava o rabo ao receber um petisco de alguém que lhe matava a fome.

As bonecas não lhe interessavam, eram apenas bonecas com os mesmo olhos, o mesmo sorriso ingênuo. Mas aquele caderno sobre a escrivaninha lhe chamava a atenção.

Ela abriu uma folha em branco e pensava na cor do lápis que começaria a delinear a sua imaginação. Porquê não iniciar com o contorno? E lá pegou aquele preto e começou a riscar a folha branca. Nada lhe vinha à cabeça a não ser linhas sem direção. Depois de horas a preencher aquele espaço branco com o que lhe parecia nada, a menina fecha o caderno, volta a espreitar pela janela. O dia se fez noite, apenas as luzes dos postes clareavam o vazio daquela rua.

Um bater na porta, uma chave a destravar a tranca.

E naquele dia cinzento de outono, uma voz ecoa friamente. – Hora de acordar, acabou o castigo.- A menina levantou-se, vestiu-se com seu uniforme de escola, tomou seu café e sem mesmo um beijo ou um bom dia, abriu a porta à rua, olhou para tudo que aparecia em sua frente e pensou: Mais um dia que se faz, apenas mais um dia.

Anna Müller

Anna Müller
Enviado por Anna Müller em 30/11/2005
Reeditado em 30/11/2005
Código do texto: T78780