ENFERMEIRAS NO FRONT (alguns recantistas vão se achar por aqui)

 

Toscana linda, verdes campos, perfumes de uvas, cachos sabor de vinho. Gente colorida, trabalhadora, afetiva e sorridente. Saúde exposta pra todo mundo ver, brilhando nas bochechas rosadas.

 

O dia D amanhece normal, até que o céu escurece de repente, raios e trovões em dia de Sol, até a população perceber a dura realidade, eram bombas caindo, queimando plantações, soterrando seres vivos, muitos gritos, desespero com o sangue e despojos de amigos, conhecidos e familiares, decorando casas, campos, ruas...o ar, imagens surreais, dores n'alma.

 

A bucólica paisagem ressurge ao som de tiros de pistolas, rajadas de metralhadora e disparos de tanques, tão impressionantes, que a visão dos corpos amassados que viravam adubo, até parecia redenção.

 

Uma guerra se deflagara em algum lugar do mundo e, os inocentes pagavam o pato. As rádios alardeavam indicando abrigos, convocando soldados e voluntários. Alimentos, água, medicamentos e curativos vão sendo armazenados. O caos na cidade, o medo e a oportunidade nefasta, provocam, saques nos comércios, mas, também comove e instiga solidariedade.

 

O dom do voluntariado se espalha e alcança a vila de Dom Dilucas e seus filhos, Moacir, Olavo, Jadel, Nádia, Luna e Lumah e, os netos Laurita, Antônio, José e Roberta. Fazendeiro abastado, cuja saudosa esposa Belle, sempre incentivou a luta pelas minorias, até ser calada num golpe de Estado num passado recente. Mas, ela deixou o seu DNA nas veias da família. Os filhos e netos, seguiram pelas áreas da  medicina e enfermagem em suas escolhas universitárias. Mesmo estando presentes sempre que possível, nos negócios da família, se dedicavam ao exercício do cuidado com o outro, de forma gratuita. O pai, tinha um enorme orgulho da família que e ele e sua amada esposa, haviam construído. Logo formaram uma força tarefa, para atender aos feridos e desamparados.

 

A guerra seguia fazendo drásticos estragos às cidades dos países envolvidos, os acampamentos para cuidar os feridos, os jeeps que atravessavam os campos, na intenção de tratar dos feridos em campo, muitas vezes eram atacados e a ajuda humanitária, acabava não chegando na hora necessária. As enfermeiras que agiam às escondidas no front, eram heroínas primordiais. Muitos pequenos milagres foram feitos, com poucos recursos, pois faltavam anestésicos, curativos e até água. 

 

Nádia, a caçula de Dom Dilucas, era uma dessas enfermeiras, com as irmãs Luna e Lumah ortopedista e cardiologista respectivamente e,  a neta Roberta que ainda cursava enfermagem, enveredavam por campos e vielas, se escondiam em trincheiras, sendo muitas vezes feridas, mas, eram incansáveis. Por onde passavam, recolhiam o que pudesse ter utilidade, alimentos, facas, armas, munição, algum pano limpo, que pudesse funcionar como atadura, e todos os whiskies e conhaques que encontrassem, na falta de álcool ou anestésico, as bebidas ajudavam na limpeza das feridas e, bêbados sentem menos dor. Hipocrisias a parte, um drink ao fim de uma noite vermelha ao som de gemidos, caía muito bem também.

 

Nádia acordou, ouvindo um zumbido fino no ar, logo um estrondo seguiu o barulho. Tropas se aproximavam, mas, não era possível saber se eram inimigos ou aliados, melhor fugir e se esconder, com ela apenas Luna a irmã ortopedista e a neta Roberta, os outros estavam em outras frentes de apoio à Cruz Vermelha. Os soldados que elas estavam cuidando, poderiam se arrastar por alguns metros, com o auxílio delas, não mais do que isso. Uns arbustos espinhentos serviriam de esconderijo pra eles.

 

Nádia e Luna seguiram o plano, abrigaram os seis feridos, lhes deixando água, alguns panos,  conhaque, uma espingarda, uma faca e as suas orações. Elas próprias, se esgueiraram pelas plantações devastadas e, se esconderam no porão de uma casa bombardeada, mantendo os ouvidos em alerta, para saber quando seria possível partir para outro lugar.

 

Pensavam na família, rezando para que estivessem bem. Alimentavam-se de batatas cruas, whisky e pão seco, que encontraram na mochila de um soldado morto em combate.

 

Os meses passaram rápidos, fugindo e ajudando lá e acolá. Anoitecera uma quarta-feira sem barulho de combates, ao longe Nádia e Luna ouviram gritos que pareciam de alegria, Roberta estava deitada entorpecida de conhaque, estava ferida, Nádia sentiu no peito, que a guerra havia acabado, a volta pra casa seria árdua e oravam aos céus, que a família se reencontrasse inteira, saudades agiam em seus corações. Num povoado próximo conseguiram cuidados para Roberta e, assim que ela ficou bem, seguiram para o campo, para os braços de Dom Dilucas, irmãos e netos.

 

Quando do jeep avistaram a casa, puderam perceber a destruição que se abatera por lá, mas, exceto por um Dom Dilucas com um braço a menos e, a magreza no semblante de todos, inclusive nelas mesmas, o acolhimento foi feito por infinitos braços amorosos. Como gomos nos cachos de uva, a família seguia unida e mais fortalecida ainda.

 

 

 

Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 13/09/2023
Reeditado em 13/09/2023
Código do texto: T7884841
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.