Sunset Park

Sunset Park

A atriz Malu Mader e o marido, o músico Tony Belotto formam o casal mais duradouro da cultura pop brasileira, o que liga um casal assim, algumas mulheres são antiquadas, não basta o desejo tem que ter algum romance, para o homem tem que existir o desejo por ele, não basta o desejo em si.

Jota seria o próximo a ser chamado para o caixa, no carinho do supermercado: azeitonas, um bom vinho e queijo.

A caixa conversava descontraidamente com um senhor, um conhecido paciente de Jota, um homem elegante, fala firme, passos seguros, coisa rara em alguém de mais de 90 anos, falava algo sobre literatura, isso era bem do professor, não importava a pessoa , ele tinha esperança que suas palavras fossem entendidas

-Oi doutor. - Venâncio notou que Jota estava atento a sua conversa.

-Sunset Park ! - Jota riu - acho que ela não leu esse professor.

-Infelizmente não se lê nesse país – ele me tocou o ombro e completou - Paul Auster carrega no tom pessimista e na falta de esperança do homem moderno que precisa sobreviver em busca de uma felicidade cada vez mais impossível .

Sunset Park, o 16º e mais recente romance de Paul Auster, lançado originalmente em 2010, tem como pano de fundo a recessão imobiliária americana de 2008 e as desventuras de quatro personagens enfrentando suas respectivas crises pessoais, verdadeiros "losers" em uma das sociedades mais competitivas do mundo, que decidem ocupar ilegalmente uma casa abandonada em Sunset Park, um bairro pobre de imigrantes no Brooklyn. Apesar do grupo de invasores ter uma origem social e intelectual acima da média, todos acabam compartilhando a mesma situação financeira precária por diferentes motivos.

Jota lembrou do professor, muito culto, boa conversa, não o via há vinte anos, parecia não ter mudado nada, os dois trocaram palavras amenas e Jota fez um elogio:

-Senhor está ótimo, continua lendo muito? Lembro altos papos literários que tivemos.

-Eu que o diga, não tem mais médicos que conversam com a gente naquela unidade de saúde, muitos deles se surpreendem de existir no mundo pessoa de 96 anos que não toma remédios para pressão, não é diabética, não têm hipotireoidismo, não está gripada, nem precisou tirar a próstata, não usa antidepressivos e dorme por conta própria, o universo desses médicos se reduzem apenas as doenças, o que me parece doutor é que a sua classe passou a ter analfabetos funcionais produtores de receita, a já banalizada medicina se divide: ou na alta tecnologia, cara e distante da população, ou a esses produtores de receitas prontas.

Assunto delicado, porém bem possível que Venâncio tivesse um pouco de razão, pois a formação humanitária dos médicos sempre foi falha.

Conversavam enquanto desciam as escadas do supermercado e a conversa continuou na rua.

-Como vai sua linda esposa? - falou Venâncio depois de ajeitar os óculos de aros dourados e lente transparente.

Jota disse que ela ia bem, que estavam planejando tomar um vinho naquela noite.

-Nunca bebi com Rute, se ela bebesse começava a falar da mazelas e arranhões familiares.

- O que chateava a dona Rute, ela sempre pareceu lúcida e resignada? - perguntou Jota.

-A minha mulher morreu brigada com o meu irmão – Jota percebeu que o assunto era sensível, mas Venâncio queria falar – uma fofoca, alguém disse alguma maledicência, nem me lembro mais qual, eles ficaram trinta anos sem se falar, não se perdoaram.

-O perdão é uma ilusão cristã, nesse caso sim, entre duas pessoas, acho que o ressentimento sempre vence, as pessoas têm dificuldade para amar, porém odeiam por qualquer besteira.

Venâncio concordou, disse que o perdão é igual um cortador de unha: quando você mais precisa dele nunca está lá onde deveria estar. Eles pararam em frente um bar conhecido, Jota falou que era ora de ir a esposa estava esperando e ele tinha saído sem celular, Venâncio fez uma pergunta.

-Doutor se ama sua esposa não deixe que seja uma resignada, não interrompa as palavras dela, é nosso vicio como homens, escute com cuidado, nunca as escutamos, sorria com ela.

Aquilo foi fundo, então Jota teve que falar:

-A aceitação no casamento tem que ser mutua, não controlamos tudo e acho que nem devemos, o amor ocupa o espaço todo – disse Jota colocando a sacola no chão – difícil definir onde começa o que é bom, eu gosto do cheiro dela, sorriso , acordo as vezes a noite e fico olhando para aquele rosto perfeito, existe alguma coisa forte que une um casal, eu sei que tem, mas não sei dizer o que é, não é a beleza, não é a paixão, nem mesmo o amor, muitas pessoas se separam e ainda se amam, é algo de natureza não conhecida, algo não mundano , a vida me deu uma chance eu peguei , conversamos sem saber que estamos conversando, tudo bem que ela ama mais aquela cachorrinha, com isso eu já me conformei.

Venâncio soltou um sorriso espontâneo.

Jota colocou a mão no ombro do seu amável paciente que falou com um pequeno embargo na voz.

-Sinto falta da Rute – ele coçou a careca e completou o seu lamento – conversar, meu Deus conversar! Que Saudade! Rute sempre foi a melhor pessoa para conversar, ela parecia sempre estar contra o meu pensamento e tinha argumentos – ele sorriu – acho que eu perdia as batalhas verbais só pra vê-la feliz, a melhor companheira para o cinema, praia , andar de bicicleta, nos dias frios ainda procuro o seu abraço na cama.

Estendeu a mão para Jota em despedida, boa conversa.

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 28/09/2023
Código do texto: T7896598
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