Coisas de Luzias

UM CONTO PARA REFLETIR

Eram duas pessoas que se entendiam como poucas. Compartilhavam dores, amores, alegrias e tristezas.

Mas certa vez algo estranho aconteceu, digo estranho, pois até hoje nada se esclareceu, e nem sei se agora isso importa, mas o que sei, ou se me contaram não sei é que por muito tempo assim deu.

Todos os dias, aquela a que chamaremos Maria, ia à casa da outra, a qual chamaremos Luzia.

Batia palmas, chamava e tocava a campainha, mas como sempre, era um menino que lhe atendia.

Meio envergonhado, cabisbaixo, diria quem o visse, até temeroso, como se descoberto fosse na mentira que dizia.

Era ele o filho de Luzia…

Sua mãe está?

Aflita perguntava Maria.

Não. Ela saiu.

Respondia mecanicamente o filho de Luzia.

Maria então voltava triste e cabisbaixa, e se por um minuto a mais ali permaneceria, poderia ouvir Luzia, que dentro de casa satisfeita ao filho dizia.

Isso mesmo meu filho! Aja sempre assim, enquanto ela não me pedir perdão pelo mal que me causou, não a atenderei e com ela nada falarei…

E sem entender tamanha raiva o filho inqueria.

Mas mãe, essa mulher parece ser tão boazinha, e acho que está doente, pois a cada dia que vem parece um pouco mais fraquinha!

E Luzia, altiva e dona de sua sabedoria e sentimento logo dizia.

Doente nada. A doença dela é ruindade. Não esqueci quando a ela um favor pedi e um não bem grande recebi.

Ainda veio com a desculpa de que nada poderia fazer por mim, que não poderia mentir e que com a verdade eu teria o que merecia.

Que nada, ela não quis me ajudar! Era só mentir, não lhe custaria nada, e por causa de sua recusa é que hoje vivemos aqui, sem ter o que a mim pertencia e que aquele a quem minha vida dediquei me negou e a uma outra entregou. Sei que eu não era lá um exemplo de esposa, poderia ter sido mais dedicada e mais reservada, poderia ter ajudado mais, mas isso não era justificativa para me deixar.

Atento sem entender direito o que a mãe dizia o menino perguntava.

A senhora fala de Papai? Mas ele não nos dá tudo?

No qual a mãe rudimento respondia.

Tudo o que menino? Você não tem noção do que seria tudo.

Não custava nada ela ter dito que quando seu pai e eu nos conhecemos, que era eu a que a casa provia, que ele pra tudo de mim dependia, quem iria dizer que não, já que ninguém de nossa vida sabia?

Tá certo que quando o conheci ele já tudo possuía, mas ao menos a metade eu merecia, mesmo nada tendo contribuído financeiramente.

E continuava a desabafar com o filho, sem perceber que ele muito pouco de todo aquele rancor entenderia

Eu sei que da empresa só tirei proveito, mas afinal, ali estava eu o tempo todo de seu lado, e até um filho lhe dei!

Não a perdoo, diga-lhe sempre que não estou, isso é o mínimo que posso fazer, porque minha vontade mesmo é de a esculachar olho no olho, mas sei que irá argumentar, e não estou a fim de me estressar não.

E finaliza.

E nunca estarei para ela.

E o tempo foi passando, Maria sempre voltando, e Luzia sempre se esquivando, mentindo, fingindo e enganando.

Até que um dia Maria não apareceu.

Nem em outro, ou outro, ou outro.

E por muito tempo Luzia a sua espera ficou, afinal, lhe fazia bem essas visitas das quais ela não atendia, era sua vingança, e seu ego de quem ao outro humilha, por si só a satisfazia.

E assim ia se passando os dias, até que após um bom tempo, em um sábado tranquilo e ensolarado, estavam luzia e o filho se preparando para dar um passeio, quando ouve palmas no portão, e Luzia, que embora não mais tocará no assunto, sempre que ouvia um bater de palmas no portão, apreensiva ficava, pois embora não admitisse, todo dia palmas aguardava, e desta vez, sem entender o porquê, sabia que aquelas palmas que ouvia tinham a ver com Maria.

E toda orgulhosa no peito bateu.

Deve ser ela!

E ao filho, logo esclareceu.

já sabe o que fazer, vá lá e faça o que ela fez por merecer.

O filho então abriu a porta, só que Maria não viu, viu o carteiro se indo após deixar uma carta no portão.

Era sim uma carta de Maria, que com um certo atraso chegava, e endereçada estava a Luzia.

Ao receber das mãos do filho, viu que era de Maria, e aí, gargalhou com ar de satisfação e a abriu enquanto dizia orgulhosamente, feliz e realizada.

Então a esperta acha que vai me enganar? Como eu não a recebo, resolveu mandar uma carta, mas deixa ela, vou ler porque sei que ela não saberá que li.

E por imaginar que Maria não teria como saber se a carta ela leu, já que nada iria lhe responder, orgulhosa de si mesma, Luzia então a carta leu.

Vamos a ela.

" Luzia, até hoje não sei o motivo pelo qual nos afastamos, mas creio que você deve se lembrar, pois a mim a memória não mais quer ajudar, por isso, tantas vezes vim eu te procurar, mas infelizmente impossível foi te encontrar.

Quero dizer-lhe que não mais te procurarei, pois a sua indiferença, já não mais consigo suportar, sem contar, que a mim é tudo muito dolorido, e já nem sei mais quanto tempo poderei aguentar, mas não poderia deixar de dizer-te coisas, que só você poderá entender.

Luzia, quero dizer-te, que seja qual for o motivo pelo nosso distanciamento, já que não vejo em nossa convivência nada que justifique esse nosso afastamento, que sempre a tive na lembrança e na memória do coração, afinal, foram muitos anos, muitas experiências e comprometimentos, e por isso peço-te perdão, perdão pelo que fiz e não me lembro, perdão por não poder aqui estar em presença, para dizer-lhe que preciso entender onde errei, e contar com sua compreensão, e também para lhe dizer, que seu perdão pra mim é uma forma de continuar minha jornada de forma mais digna, e que ser perdoada eu for, isso me dará a certeza de que se não fiz amigos para a vida inteira, também não fiz inimigo de eternidade.

Sabe Luzia , você me fez muita falta, teve horas em que só a sua lembrança já me ajudava a suportar coisas que pensei não suportar, eu precisei muito da sua presença amiga do meu lado, e me prendia as lembranças dos belos dias vivido e que jamais por mim serão esquecidos, mas hoje já não espero mais esse encontro, e nem me importo mais, sei que estarei só nesta jornada que me aguarda.

Desculpe se o que te digo agora, talvez não seja entendido, já que sinto que você está movida por um sentimento avessos ao que tínhamos, mas rogo a Deus não ser seu filho a receber esta carta, sim, pois tenho medo de que possa ver meu nome, e por estar tão acostumado a dizer que você não está, esta carta não lhe mostrar por medo de lhe contrariar, porque sei que não o fará por maldade, ou ter por mim qualquer sentimento ruim, mas o fará apenas querendo lhe poupar, e por obediência de um filho bom.“.

É isso minha amiga, se assim posso lhe chamar, mas aqui me despeço, e espero um dia poder nos reencontrar em outra condição, e quem sabe assim, nos dar uma a outra a oportunidade do perdão. Que Deus lhe abençoe da mesma forma que espero por ele ser abençoada. Fique com Deus, que com ele estou"

Após ler a carta, e indignada com as últimas frases da carta, Luzia se levantou enraivecida, pediu ao filho que em casa ficasse porque iria até a casa de Maria, afinal quem pensava ser ela para julgar seus atos, e ainda achar que seu filho faz o que ela manda por medo, como se errado fosse lhe obedecer. Está certo que era errado pedir para que ele mentisse ao dizer que ela não estava, mas ele um dia iria entender, e não seria essa mentirinha inocente que iria torná- lo um mentiroso pra vida toda.

Na verdade ela mais uma vez não entendeu, que Maria não a estava acusando de nada e nem a culpando, na verdade estava apenas a aceitando da forma que era, e esperando que aceita fosse também.

E na sua soberba, não percebia que estava sempre usando as pessoas com mentiras para conseguir o que desejava, e justamente por Maria não ter cedido a sua vontade que ela tinha por ela essa aversão.

E lá foi Luzia, armada de todos seus rompantes emocionais, a colocar Maria em seu lugar.

Ao chegar nas proximidades da casa, Luzia percebeu muitos carros, gente aos montes, e percebeu que o entra e sai, era maior na casa de Maria.

Luzia então apressou os passos enquanto se punha a resmungar.

"Então ela está dando uma festa? Mas nem o aniversário dela é? Quer dizer então, que enquanto eu amargo a vida trabalhando para suprir todas minhas necessidades, já que a pensão do filho não cobre todas minhas vontades ela se diverte?

Mas se ela pensa que vou deixar ela me humilhar e ainda se divertir está muito enganada, acabo com essa festa agora, vou mostrar a todos quem ela realmente é, e que só é amiga nas boas horas, porque quando se precisa dela aí tira o corpo fora, quero e ver se toda essa gente que aí está, qual pediria a ela um favor e seria atendido."

E entre resmungos, e determinada a escandalizar a ex amiga, entrou na casa de Maria pronta a mostrar a todos, a vítima que se sentia ser.

Mas, como há mais coisas entre o céu e a terra, da qual não conseguimos entender até que chegue o tempo certo, qual não foi a surpresa de Luzia ao adentrar aquela casa da qual ela julgava estar em festa, e se deparar com uma cena terrível que nunca imaginou encontrar.

Uma cena que a paralisou por instantes no mesmo lugar, e nem um passo sequer conseguiu dar, só lhe restando observar, relembrar e repensar atitudes tomadas que em nada iria neste momento ajudar a acalmar sua consciência.

Eis a cena que Luzia atônita, desconcertada e confusa, observava.

Logo na entrada, Luzia se depara com uma mesa toda rodeada de coroas floridas, e entre as flores e castiçais com velas acesas, estava uma urna funerária, com um corpo que não conseguirá identificar de pronto pelas distância que estava, e não dando para identificar ela imaginara ser algum familiar de Maria

Luzia, paralisada diante da cena que lhe chegava aos olhos, ficou sem ação, porque não encontrava mais a mesma coragem em confrontar Maria, afinal como não se compadecer diante de alguém que perde um ente querido? E não sabe se por respeito, ou se porque naquele momento um sentimento maior a envolvia, não adentrou mais o ambiente e discretamente, se preparava para sair dali sem ser percebida, principalmente por Maria, pois não sabia como agiria caso questionada fosse sua presença ali.

E enquanto vagarosamente se retirava, observava os rostos que ali estavam, e tentava nas conversas cruzadas que ouvia, descobrir quem era afinal que ali estava sendo velado.

Mas nada do que ouvia, lhe esclarecia quanto a sua curiosidade, apenas conseguia ouvir uma coisa e outra, até que ouviu alguém que ao seu lado estava dizer, que uma prece seria feita, Luzia então achou por bem não sair neste momento, e esperar o final da prece para poder se retirar.

Todos então se aproximaram da urna, menos Luzia que preferiu ficar mais afastada, para poder se retirar sem ser notada assim que possível. E a prece começou.

O início parecia ser uma prece comum a todas as despedidas fúnebres, até que percebeu que havia um enaltecimento daquele corpo que ali inerte estava, e que o sono dos justo dormia.

E como que movida por uma força maior, ali se manteve atenta, tentando descobrir sobre a identidade daquele corpo inerte.

E entre várias homenagens, eis que Luzia fica atônita, e se estremece quando ouve o nome de Maria. mim

A despedida.

"Aos amigos e familiares que aqui se encontram, antes de entregar a Deus essa grande mulher que nos deixa, devo dar a todos ciência de quem ela se foi, sabendo que deixará muitas saudades há muitos que ela ajudou, muitas lembranças boas deixará. Que possamos neste momento de despedida , a ela enviar bons pensamentos e pedir a Deus que dê a ela a alegria que não conseguiu aqui obter, já que a maior tristeza de Maria, foi não ter podido se desculpar com sua única amiga Luzia.

Ao ouvir isso, Luzia olha para os lados para ver se estava sendo observada, afinal seu nome foi mencionado.

Mas não, ninguém a olhou, até porque como se vê a frente ali, provavelmente não a conheciam.

E a despedida continuava, aquém dos sentires íntimos de Luzia

Não a conheci pessoalmente, e creio que muitos dos que aqui estão também não, somente sei o que Maria dizia, e era sempre coisas boas, sobre a vida que as unia.

Não consigo entender o porquê a tal amiga Luzia nunca a recebeu, é muito triste imaginar alguém em busca do perdão para em paz descansar, morrer sem essa paz encontrar.

Mas quem perdeu a oportunidade de estar presente na vida de Maria foi Luzia.

E é uma pena, porque além de ter perdido uma grande amiga, perdeu também a oportunidade de dar a ela a paz que merecia.

Tomara não saiba deste dolorido fato, ou talvez seja ela, a tal Luzia, a mendigar um perdão já dado, mas que não poderá mais ser ouvido, afinal, era esse o desejo de Maria, que Luzia nunca soubesse que partira sem ter tido seu perdão, mas dizia ela sempre, "caso um dia Luzia saiba, diga que por mim está perdoada."

Uma pena mesmo!

Exclamou alguém que também ali estava.

Maria até na morte deixou exemplo de bondade, quando em seus últimos momentos, entre dores lancinante, nos pediu que não deixássemos que o orgulho, vaidade ou arrogância, nos impedisse de receber ou dar o perdão a alguém, porque a vida era eterna, mas a existência limitada. Que descanse em paz.

Luzia, envergonhada e sem coragem de o rosto da amiga ir olhar, retornou ao lar, e só aí então conseguiu chorar, e entre lágrimas de dor, a frase que Maria tanto desejava ouvir, enfim Luzia conseguiu pronunciar e finalmente a paz encontrar

Perdoada esta minha amiga.

Perdoa-me também?

E assim, mais uma vez temos exemplos dos valores que damos às coisas que valor não tem.

Às vezes, mais bem faz o não se melindrar, ou se acaso melindrados ficarmos, tentar urgentemente nos desfazer destes sentimento e por outro substituir.

E no caso, se alguma oportunidade tivermos, podermos olhar o outro nos olhos sem vergonha, ou mágoa, afinal, não sabemos quando seremos nós os necessitados de perdão.

Paz e bem a todos e muita luz.

ISABEL FATIMA MISSON LANDIM ( Autora)

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Poetisa do tempo poetizando
Enviado por Poetisa do tempo poetizando em 29/09/2023
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