Sombras Do Passado #MEMORIAL Recantista#

#A obra imortaliza o nome.

As amizades imortalizam o amor e vão além da vida.

Meu apoio à nobre causa Memorial Recantista.

Que seja prontamente reconhecido e respeitado.#

Aquele assunto sempre atormentou Afonso.

Quando ele pode entender, seus pais lhe contaram que ele não era filho biológico deles. Ele fora adotado ainda recém-nascido.

Ele perguntou quem eram seus pais biológicos e seus pais diziam que não sabiam, que a adoção foi feita por intermédio dos patrões da mãe e que ela não tinha condições de criá-lo e então resolveu entregá-lo para adoção.

Ele cresceu sempre com aquela sombra em sua vida. Sentia-se rejeitado pela mãe. Embora amasse seus pais e se sentisse feliz com eles, sempre ficava com aquela mágoa e ódio no coração por ter sido abandonado.

Fez terapia por anos tentando tirar do peito aquelas sombras do passado.

Depois de adulto quis procurar sua mãe e seus pais concordaram e até ajudaram.

Mas foi só quando soube que iria ser pai que foi atrás da verdade e em pouco tempo soube onde estava sua mãe biológica e foi ao encontro dela.

Afonso chegou naquela casa simples.

Ele se viu na mulher que o atendeu.

-A senhora é Marta?

-Sim. Quem é você?

-Sou Afonso, o filho que a senhora renegou.

Ela olhou estupefata. Como se parecia com ela. Seus olhos de encheram de lágrimas. Ela não sabia como agir, o que fazer ou falar.

-Lembra quando a senhora deu seu filho sem nenhum escrúpulo?

-Quer entrar? Podemos conversar com calma.

Ele entrou e viu que a casa era muito simples, mas muito limpa.

-Sente-se, Afonso.

-Eu vim aqui pra olhar em seus olhos e perguntar como uma mulher tem coragem de renegar um filho que gerou. O natural é que uma mãe ame e proteja seu filho.

-Eu tive coragem de dar você àquele casal por amor. Pra te proteger.

Ele riu com ironia.

-Eu tive coragem de dar você porque eu queria que você não tivesse a vida que eu tinha. Seu pai te renegou. Mas pelo menos não me obrigou a fazer um aborto como os outros dois que vieram antes. Eu dei você porque não queria que passasse fome ao meu lado. Eu tinha apenas vinte anos quando você nasceu. Meus pais me expulsaram de casa quando eu fiquei grávida aos dezesseis anos. O pai do bebê se aproveitando do meu desespero e inexperiência me levou pra fazer um aborto e depois me abandonou pois era casado e ficou com a família. Ele me iludiu, me enganou e me abandonou. Um tempo depois eu encontrei um outro que também só queria me usar e quando eu fiquei grávida me obrigou a abortar e me deixou. Com seu pai eu pensei que seria tudo diferente, mas não foi. Ele me abandonou logo que soube que eu estava grávida. Eu trabalhava de empregada doméstica. Meus patrões me acolheram e eu disse que queria dar meu filho para adoção e eles me ajudaram nisso.

Eu dei você porque queria que se tornasse alguém na vida. Queria que se tornasse um doutor, que não conhecesse a miséria, que não passasse fome como eu, que não conhecesse o mundo miserável que era o meu. Eu dei você por amor. Sei que me condena por isso. Não importa. Eu sei de mim e do que fiz e não me arrependo. Vendo você assim bem vestido, elegante e com ares de doutor eu vejo que fiz o melhor que podia fazer.

-Por que julga que tinha o direito de escolher por mim?

-Porque você não podia escolher.

-Se não podia criar um filho porque se deitava com o primeiro que via pela frente e fazia filhos de maneira irresponsável?

-Os únicos momentos em que me sentia amada e acolhida nessa vida era quando estava com um homem. E então eu acreditava que ele ia me amar pra sempre.

Afonso chorou.

-E depois que eu nasci? Como foi sua vida?

-Meus patrões foram bons comigo. Continuei trabalhando lá e dois anos mais tarde conheci um homem bom com quem me casei.

-Teve outros filhos?

-Tive quatro. Nós lutamos com muita dificuldade, mas conseguimos ir vivendo.

-Seus filhos tiveram o seu amor, não é? O amor que me negou.

-Você não foi amado?

-Fui muito amado. Meus pais são os melhores pais do mundo. São tão bons que até me ajudaram a te encontrar.

-Por que queria me encontrar?

-Pra olhar em seus olhos e descobrir como uma mulher tem coragem de dar seu filho.

-Agora que já sabe da minha história vai me condenar?

-Eu te condenei desde que soube que me abandonou. E meus pais sempre dizendo que a senhora o fez pelo meu bem. Eles sempre te defenderam.

-Eu nunca deixei de te amar. Nunca esqueci de você. Todos os dias eu rezo por todos os meus filhos. Inclusive aqueles que os pais impediram de nascer. Quando me casei pensei em tentar recuperar você, meu marido até me apoiou. Mas meus patrões disseram que era uma luta perdida. Além de não saber onde você estava eu já tinha assinado os documentos.

-Eu não acredito em você.

-Por que veio então?

-Pra saber que espécie de monstro é a senhora.

Ela chorou. Ficaram calados por alguns instantes se olhando.

-Eu já te contei tudo. Se você não acredita, procure saber. Vai ver que é tudo verdade.

-Nunca mais viu meu pai?

-Não.

-E meus irmãos? O que fazem da vida?

-Já são todos adultos. Não puderam estudar muito, mas se tornaram pessoas de bem, trabalhadores e se deram melhor na vida que eu e o pai deles. As duas moças já se casaram. Tenho três netos. Você é casado, meu filho?

-Não me chame de meu filho. Sou casado e agora a senhora vai ter mais um neto.

-É uma pena pois se não posso te chamar de filho, não vou poder chamar a criança de neto. Eu ficaria muito feliz de ter mais um neto.

Nesse momento ele chorou. Soluçava e tentava se controlar.

Ela tocou o rosto dele.

-Perdão, meu filho, por não ter sido a mãe que você merecia. Mas eu tentei encontrar a mãe que você merece ter. Dei a você um pai que ao meu lado você não teria.

Eles se abraçaram e choraram.

-Deixa eu te colocar no meu colo. Coloque sua cabeça aqui. Você não imagina quantas noites e chorei de arrependimento, de vontade de ter você nos meus braços e te acalentar, de dar meu peito pra te alimentar. Acredite que eu sofri muito. Não sou o monstro que você pensa. Se eu tivesse alguma esperança de poder te dar uma vida digna eu jamais teria te entregado a outros pais. Você não sabe o que é o amor de uma mãe que sente um filho dentro de si, que gera uma vida. Eu errei muito. Mas eu era tão jovem. Fui tão maltratada pela vida. Perdoa essa sua mãe tão destrambelhada.

Ele colocou a cabeça no colo dela e ela afagou seus cabelos.

-Meu filhinho que se foi de mim tão pequenininho. E agora volta esse homem lindo. Eu te amo meu filho.

Ele olhou pra ela e nada disse.

Foi embora.

Pensava que anos de terapia não fez por ele o que aquele encontro acabara de fazer.

Não odiava mais sua mãe biológica, não se sentia rejeitado e sabia que o perdão viria em breve. Quanto ao pai biológico decidiu que ele nunca existiu e nunca iria existir em sua vida. Não entendia como um homem pode abandonar covardemente uma mulher grávida. Pensava que devia ser muito canalha e irresponsável.

Seus pais sempre foram e continuava ser aqueles por quem foi criado e de quem recebeu amor incondicional e amou como pais.

Mas iria conviver com sua mãe. Sabia que isso não magoaria seus pais pois eles sabiam do quanto ele os amava.

Seu filho nasceu e teve duas avós e um avô de sua parte.

Sentia-se finalmente em paz, completo e plenamente feliz.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 08/10/2023
Reeditado em 03/01/2024
Código do texto: T7904030
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