FÉ E O AVERSO DA FÉ

Fé e o averso da Fé

O grupo musical Human Nature nasceu devido a uma conversa que Porcaro teve com sua filha, Heather, que foi empurrada por um garoto na escola. O tecladista na época disse que deveria ser porque “ele provavelmente gosta de você e é da natureza humana , na minha visão o maior sucesso da banda preferida do filho de Sérgio é Runaround Sue ,para quem não entendeu nada e não sabem quem é Sérgio, já explico.

Aquele dia Começa no por do sol, tarde de domingo , depois de meio plantão para substituir um colega encontrei o Sérgio em um bar tradicional em Jardim da Penha, ele estava bem triste, aniversário da morte do filho.

-Ela me disse - Sérgio olhava para o vazio quando falava – que a ciência e a fé não impede a morte da pessoa amada, a diferença é que a fé te conforta.

Eu sabia da história, Sérgio era residente no Rio, pegou um temporal na volta do plantão na baixada, errou o caminho e se perdeu, o cara não era do Rio, ficou dando volta e acabou em uma rua sem saída, para o seu azar o carro quebrou ali mesmo. um casal de idosos ofereceu a casa para ele ficar até o socorro chegar.

-Tudo era tão limpo naquela casa, iluminado, na cômoda havia uma foto de uma menina, o senhor Pedro me contou que era a neta e ela havia morrido de leucemia, gastaram o que podiam e o que não podiam, levaram nos melhores médicos, foram em todas as religiões, ela morreu assim mesmo e tudo ficou cinza pros dois, nesse momento Jota ele segurou a minha mão e disse:

-A fé nos salvou, porque o nosso conforto foi saber que Deus existe.

Ufa, aquilo sempre me alagava os olhos, escutei uma dezena de vezes aquela história e ainda me tocava.

Nós brindamos à nossa amizade, e, secretamente, brindamos ao que nos iguala a todos os animais: a morte, ele me ofereceu um cigarro, eu disse que nem escovando quinze vezes o dente passaria pelo detector de fumante da minha mulher.

Sérgio separou de Liliam, perder um filho é triste demais para qualquer amor sobreviver ao redor, tudo morre junto, tudo, quando fui visitar eles uma vez notei que até as plantas que Liliam cuidava com tanto carinho morrerem.

Ele voltou ao passado.

-Eu sai daquela casa , resolvi voltar dois dias depois para agradecer não havia nada lá, apenas ruínas, uma vizinha me falou que eu tive uma experiência com espíritos bons, que isso tinha algum propósito, eu não acreditava em Deus, muito menos em espíritos.

-Você mudou isso?.

-A senhora Ruth me disse que eu precisaria ter fé, senhor Pedro concordou, completou: muita fé.

Ele segurava o cigarro e tremia.

Eu detesto essa história de prever o futuro, não gosto de saber nada do que vai acontecer, a vida só tem graça porque é inesperada, para o bem e para o mal.

Ficamos calados, Sérgio levantou e enfiou a mão no bolço, eu disse que pagava.

Ele me olhou nos olhos.

-Você tem fé?

-Invejo que tem fé, já é um começo.

-Se eles eram espíritos bons , por que não me salvaram dessa dor?

-Não sei o que são, talvez algo sobrenatural, talvez algo dentro de você – completei – de certa forma te salvaram, pelo que conheço há muitos anos, você era um ateu convicto hoje vejo uma pontinha de duvida.

Ele balançou a cabeça, lembra da música , dos discos de vinil do filho de como ele vivia preso na década de sessenta, cabeça nas nuvens, gosto tão diferente, tão tranquilo, o saxofone no quarto , músicas, sonhos, o único filho.

-Talvez, talvez – ele disse e olhando para o alto me perguntou.

-Acredita em Deus?

Eu pensei um minuto, tomei um gole da minha cerveja e falei firme o que realmente pensava.

-Não consigo desacreditar é uma esperança que mora lá no fundo.

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 17/11/2023
Reeditado em 17/11/2023
Código do texto: T7934244
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