Ikebana, coisa de macumbeiro

Essa história aconteceu comigo. Sete e meia da tarde, horário de verão, saí caminhando para aproveitar o último sol da tarde e resolvi colher algumas flores e ramos de árvores pelo caminho. Minha esposa voltaria de viagem naquela noite e, em sua homenagem, pretendia renovar a ikebana de nossa sala. Sempre tem uma flor "dando sopa" em algum jardim e não custa pedir. Algumas pessoas sentem-se felizes em demonstrar que estão de bem com a vida e não negam o presente. Outras ficam assustadas e dizem que não, mais por medo que por má vontade.

Na Rua Chile, bairro do Cristo Rei, encontrei uma senhora regando um canteiro de jardim esturricado pela estiagem. Ela aparentava uns sessenta anos, com certeza descendente de poloneses. Quintal enorme, casa de madeira, várias roseiras floridas. Era exatamente o que eu procurava. Uma rosa vermelha para fazer o kiakashi do arranjo.

— A senhora me dá uma rosa? – pedi.

— Para que você quer uma rrrrosa? – disse ela, arremedando meu sotaque de catarinense.

— É para fazer um arranjo de ikebana.

— Eu não. Isso vai me deixar carregada.

— Como assim?

Custou um pouco mas entendi. Ela pensou que ikebana fosse qualquer coisa como Quimbanda, Umbanda, Macumba, Candomblé, e achou que eu usaria a flor em algum despacho.

— A senhora sabe o que é ikebana?

— Não. O que é? – perguntou desconfiada.

— São aqueles arranjos florais que os japoneses fazem...

Pelo visto ela nunca tinha ouvido falar que japonês faz arranjos com flores.

— Não dou, não. Eu tenho medo – disse ela, com um misto de ingenuidade e malícia.

— Tudo bem, minha senhora. Até logo.

Bem feito para mim. Quem mandou eu esbanjar cultura na hora errada. Bastava pedir uma flor para colocar no vaso.

Marco Antonio Mondini
Enviado por Marco Antonio Mondini em 14/12/2023
Reeditado em 10/03/2024
Código do texto: T7954193
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