MORTANDADE

(Obrigado pela preferência... Boa leitura!)

Capítulo 1

Nunca entendi muito bem como funciona a morte na sociedade e cultura da maioria das pessoas, na minha, após uma pessoa morrer todos amigos, familiares e afins juntam-se à casa mortuária para passar os últimos momentos ao lado do já não mais vivo indivíduo.

Bem, à minha história começa aos oito anos de idade, minha vó acabara de morrer. A notícia havia chegado como a chuva: de repente e molhada... Só que de sangue.

Minha vó era uma pessoa boa, tinha dois filhos, levava à vida a tricotear e prosear, não era de pestanejar. A morte talvez não fosse precoce por estar à beira dos oitenta anos de idade. Minha mãe, ainda abalada, me disse:

- Aconteceu algo nada bom meu filho...

- O que é mamãe? Você está chorando?

Então, pela primeira vez, ela me tratou como um adulto, me explicando como funcionara à morte.

No enterro, havia familiares de longe, amigos de perto e conhecidos de montes. Vinham todos, para vê-la por um último momento... Aquele momento foi presenciado por mim, e fotografado pela minha mente. Os atos dos presentes iam de choros desesperados, lágrimas tristes até lembranças boas acompanhadas de pequenos movimentos que tentavam imitar um riso que não saia.

Capítulo 2

Passados alguns dias, à minha família continuava triste, minha mãe e minha tia viviam chorando pelos cantos. Eu, sem entender muito bem, brincava, pensava e minguava.

Minha família nunca foi muita de mimos e carinhos. "As pessoas são duras e cruéis..." Isso era o que à minha mãe sempre dizia. Já o meu pai sempre repetia: "A vida é mais que um epitáfio no campo, e nada parecida com uma dança de mambo garoto...". Após um ano e meio, outra perda na minha família. Minha cadela de nome Luna havia sido atropelada após sair do quintal, enquanto meu pai levava o lixo até a rua. Pensei durante muitas noites no destino trágico da minha pobre cadelinha, até fiz uma pintura, mas... Minha nobre mãe, aparentemente não gostou muito, e jogou a pintura fora.

Capítulo 3

Era época de Natal. A família se reunia na casa do vovô, para comemorarmos a data, mas até eu percebia que não seria a mesma coisa sem vovó. O clima estava tenso, e lágrimas caiam dos olhos de vovô aos poucos e pausadamente limpados com seu lenço quadriculado. Em um momento qualquer da festa, vovô pede licença e vai até o banheiro. Passam-se trinta minutos e vovô não volta, meu pai vai até o banheiro e bate na porta, mas nada acontece. Mamãe liga imediatamente para à policia, bombeiros, ambulância e também o necrotério, eu acho. O que certamente havia ocorrido até mesmo eu, uma nobre criança de quase dez anos, percebera. Após meu pai arrombar a porta do banheiro, consegui enxergar meu avô agonizando no chão, haviam muitas cápsulas espalhadas pelo chão e um pouco de sangue. Meu pai jorrava em lágrimas e minha mãe desmaiara como de praxe...

Capítulo 4

Minha mãe havia desmaiado uma vez, vendo um jogo de boliche de meu pai, não lembro muito bem se ele havia apostado a casa ou se a bola havia acertado a cabeça de alguém, mas fora algo trágico. Lógico, que isso antecede à minha existência... Ocorrera tal fato, nos tempos de namoro dos dois. Haviam bares que tocavam Bob Dylan, Erasmo Carlos e tudo mais. Bares onde os donos tinham uma espingarda carregada atrás do balcão e tacos de sinuca bem duros. Meu avô contava muitas estórias daquele tempo, parecia realmente bom.

Capítulo 5

...A casa ficara realmente lotada em poucos minutos; policiais, médicos, bombeiros, curiosos, fotógrafos, jornalistas, mais curiosos, e vizinhos lotavam casa e quintal. Se alguém abrisse uma barraquinha poderia ganhar muito dinheiro naquele momento, pensava. Após o ano novo mais triste da minha primeira década de vida, fui no verão para à praia com a família de um colega da escola. Parecia que meus pais queriam me "tocar de casa", mas tudo bem. Acho que entendo o que eles queriam, ou não entenda talvez.

Capítulo 6

O verão até que foi divertido, tirando o jeito retrógrado dos pais do meu colega. Eles eram o tipo de família que se achava extremamente feliz, e que fazia questão de mostrar para todos o quão perfeitos eles pareciam ser, de acordo com a sociedade é claro. O pai era engenheiro, e a mãe dentista e o filho, o garoto mais retardado da turma, porém meu amigo.

Saíamos para brincar na areia antes do amanhecer, comíamos fritas e lasanha quase todo dia. Parecia legal, parecia.À noite vinha a melhor parte, olhávamos televisão até nos mandarem para a cama, o que demorava um certo tempo. Já na cama, sem sono, ficávamos horas pensando em coisas do tipo: "Se eu fosse um médico famoso e inventasse um medicamento para que as pessoas não morressem?" Ou “um cientista que criasse clones das pessoas que gosto...”. Até um certo momento, em que meus pensamentos eram afastados por um barulho incomum, (pelo menos pra mim, um garoto de quase dez anos...) era um: nhé, nhé, nhé, nhé... Parecia o ranger de uma cama, mas eu pensava, e não descartava a hipótese de um monstro. Algum tempo depois, eu ouvia vozes e os mais diversos sons produzidos pelos movimentos humanos; porta do quarto sendo aberta, porta do banheiro sendo fechada, chuveiro ligado, chuveiro desligado, secador de cabelos, luzes acesas e depois apagadas, mais vozes e por fim silêncio. E eu a pensar: "Que auê é esse?"

Capítulo 7

Acabada às férias, fui levado ao meu habitat: minha casa. Meus pais não pareciam muito felizes, talvez eu tenha ficado pouco tempo fora, ou, simplesmente, não me aguentavam mais. Após uma semana da minha volta, meu pai começou a dormir fora, e mamãe ficava mais triste ainda. Nos finais de semana, meu pai vinha me ver e me levar para almoçar com ele.

Capítulo 8

Três anos depois, já na puberdade, estava na hora de “conhecer mais” o sexo oposto. O melhor meio são tios ou amigos mais velhos, se tiver irmão também vale. Eles o ajudam, ou pelo menos dizem isso, e lhe dão algumas dicas que geralmente não ajudam em nada. Acabei optando pelos meus amigos, a segunda opção. Meus amigos, todos aparentemente mais experientes, me falaram várias coisas, mas guardei apenas à que eles mais repetiam:

- "Vai sempre na mais bêbada que dá!"

Fomos a uma festa, para eu praticar as taís técnicas.

Tentei, tentei de novo... , mas não adiantou muito, parecia não ter nascido pra coisa!

Capítulo 9

Na volta da festa, eu dormia no banco de trás do carro... Então acordei um ano e meio depois, em uma cama de hospital. Duas das quatro pessoas que estavam no carro haviam morrido, após o carro colidir com um caminhão. Tive de ficar mais alguns meses naquela cama, até me recuperar totalmente, parte da minha juventude, e duas vidas foram desperdiçadas pela irresponsabilidade de uma... O motorista de um caminhão caçamba, que dormira ao volante, segundo a polícia. Meu pai me visitava frequentemente. Um dia lhe perguntei:

- E a minha mãe? Por que ela não vem?

Meu pai foi bem direto como de costume, disse:

- Ela morreu meu filho.

- Após o seu acidente, ela entrou em depressão, tomou remédios em doses abusivas e morreu.

Capítulo 10

Já recuperado, fui morar com o meu pai, meu pai era frio demais, acho que herdei essa característica genética dele. No começo, as pessoas choram muito após uma perda, mas com o tempo o choro vai diminuindo até que um dia acaba. Para algumas o tempo de choro e menor que outras. Talvez, haja vezes em que as lágrimas caiam e voltem a doer novamente, mas... Como diria Cazuza: "O tempo não para".

Capítulo 11

Comecei então, a trabalhar em um mercado conhecido na cidade. Mas, a morte continuava a me afrontar... O mercado era muito rico, logo, caixas cheios de dinheiro eram atraentes para os olhos de ladrões audaciosos. Os ataques ocorriam quase todo mês, às vezes os ladrões tinham sucesso, às vezes a segurança privada obtinha o mesmo. Mortes e tiroteios eram inevitáveis, ladrões, guardas e civis não eram poupados da tão má e tão esperada... morte. Vi tantas pessoas mortas quanto um coveiro, eu acho. Trabalhei no mesmo mercado durante quatro anos. Após, engrenei em uma faculdade, numa cidade vizinha, dividindo um pequeno apartamento com um amigo. Trabalhava o dia todo e frequentava as aulas à noite, o curso não era fácil, ainda mais quando se trabalha durante o dia, e se faz esforços para ficar com os olhos abertos durante a noite. Visitava meu pai às vezes, mas as viagens ficavam cada vez mais exaustivas... Após alguns meses, minhas visitas ao meu pai ficaram raras, e quando aconteciam, brigávamos muito. Ele havia se tornado um velho bêbado viciado em jogos. O alertei sobre os perigos que corria, doenças como cirrose, as suas apostas e comprometimento com agiotas, etc. Mas nada adiantava.

Capitulo 12

O internei em uma clínica para idosos, após ele jogar, beber e brigar por um ano. Voltei a vê-lo depois de dois anos. Sentia-me culpado por não visitá-lo, mas pensava que se ele estava daquele modo era inteiramente sua culpa. Lá estava eu levando-o de volta pra casa, parecia feliz e saudável, totalmente curado, realmente parecia um milagre. Fiquei o final de semana com ele, conversamos, demos boas risadas e lembramos de momentos com a mamãe e o Natal com a família toda. Ele estava feliz e arrependido, concluí.

Sentia-me no dever de demonstrar o quanto o amava, falei várias e várias vezes como ele fora importante pra mim.

Capítulo 13

Na segunda-feira, estava de volta a rotina semanal; o trabalho e a faculdade. Às provas estavam chegando, e eu passava os finais de semana estudando. Foi num destes finais de semana, que recebi uma ligação... Ao atender, não escutei nada do outro lado da linha... Então, desliguei. E o telefone voltava a tocar, esperei, atendi e falei:

- Alô, quem fala?

- Adeus.

E a chamada caiu. Para o meu desespero, eu conhecia a voz daquele telefonema, era a de meu pai. Peguei um ônibus e fui a o seu encontro. Liguei para a polícia, dei o seu endereço e chorei... Chorei muito. Ao entrar na casa, vi meu pai enforcado. ...Olhos cheios de lágrimas, coração disparado e ao mesmo tempo parado. Rosto pálido, mãos suando... Características de alguém apaixonado ou desapaixonado... Por quem? Pela vida.

Mais uma vez, eu estava presente em um funeral. De quem seria o próximo? Por que não o meu? Ou o de meus sonhos? Pois, faltava pouco para mim enterrá-los também.

Capítulo 14

Um ano depois, saí da faculdade formado e namorando. Compramos uma casa e fomos morar juntos... Vários planos englobavam nosso futuro: filhos, cães, filmes, livros, férias, etc. Algum tempo depois, decidimos nos casar. Parecia necessário para a felicidade de ambos. Levávamos uma vida tranquila e feliz. Sonho de quase todo ser humano, quase todo. Logo, ela se mostrou um pouco arrependida e disse que gostaria de ter mais liberdade, poder sair sozinha etc. Porém, descobriu que estava grávida de quatro meses. Eu estava a fazer desenhos na vidraça embaciada da sala... Do meu dedo indicador saíam peixes, aves, navios, arabescos e garatujas embaladas pela música, Aquarela, de Toquinho. Lá fora caia uma chuva fininha, e os pardais brincavam nas poças d’água.

- Amor...

- Fale meu anjo

- Estou grávida.

- ...

- Fale alguma coisa! Por favor!

- Te amo.

Mas ela perdeu o bebê, e nem os médicos souberam explicar o motivo. Deveríamos ter procurado outros médicos ou feito mais exames, me sentia culpado, por não me preocupar demais.

Capítulo 15

Hoje, ao acordar, minha esposa me pediu para comprar pães na padaria de nosso vizinho. Coloquei uma roupa e vim em direção à padaria. Então, adentrei no estabelecimento, já dentro do estabelecimento ouço um disparo e sou lançado para trás... Deitado, nesse chão, sinto uma forte dor no estômago... Ao abrir meus olhos vejo o teto do local. Não consigo ver o autor do disparo... Pousei as mãos sobre o estômago, para estancar o sangue. Mas, pouco adianta... Dor, sono, olhos se fechando aos poucos, e depois eternamente fechados. É a morte que por fim vem me vencer.

Alex Sandro M. Spindler

Alex Sandro M Spindler
Enviado por Alex Sandro M Spindler em 29/12/2007
Reeditado em 08/10/2009
Código do texto: T795501
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