DECISÃO FINAL

Oito horas da manhã de uma sexta-feira de primavera, 29 de setembro de 2019, em um bairro de classe média da cidade de Campo Limpo Paulista, SP. Teria sido um dia como qualquer outro, mas não foi. O sol estava morno e havia muitas nuvens no céu. Diante da casa do professor de Língua Portuguesa e Literatura, Lucas Fortunato de Paiva, um aglomerado enorme de pessoas se juntava. Veículos passavam na rua e os motoristas paravam para perguntar o que estava acontecendo. Uma ambulância do SAMU estava estacionada na porta da casa. Ouvia-se o ruído característico de pessoas falando e se lamentando. Mas afinal o que estava acontecendo? É que o professor, homem bom, de setenta e poucos anos, simplesmente jazia morto em sua cama, onde, um dia antes, pouco mais das 23 horas, havia se recolhido juntamente com sua esposa, uma senhora de pouco menos de 70 anos. No criado, à esquerda da cama, foi encontrada uma pequena porção de chumbinho granulado e meio copo de suco de uva.

Os socorristas do SAMU, tendo sido chamados, e examinado o homem, concluíram que se tratava de um cadáver. Provavelmente fora envenenado pelo chumbinho, adquirido pelo falecido, de forma clandestina, em algum lugar da cidade. A esposa, Lindaura Francisca de Paiva, estava transtornada. Vizinhos tentavam acalmá-la a todo custo. Os três filhos não moravam com os pais. Ainda não haviam chegado, apesar de já terem sido comunicados.

O médico do SAMU, após fazer algumas anotações em um impresso anexado a uma prancheta, informou que o corpo do professor deveria ser encaminhado ao Instituto Médico Legal a fim de que fosse feita a necropsia, identificando, assim, a causa-mortis. Apesar de que estava claro que se tratava de um suicídio.

As providências cabíveis foram tomadas tão logo chegaram à casa, transtornados, dois filhos do casal. O filho do meio, Vladimir , não compareceu ao local. Não se sabe se ele não quis aparecer ou por algum outro motivo, não fora possível. Sabia-se que ele andava por caminhos tortuosos e tinha brigado ferrenhamente com o pai.

Num clima de muita consternação e muito choro, o rito normal foi seguido e, no outro dia, às 10 horas da manhã, o corpo do professor foi sepultado em um jazigo da família, na mesma cidade.

Passados alguns dias, a viúva, muito consternada, após ter guardado com muito cuidado uma folha de papel, encontrada debaixo do travesseiro do marido, sentando-se à cabeceira da mesa de jantar, disse aos dois filhos, César e Rômulo, que estava de posse de uma carta escrita e assinada pelo marido, datada um dia antes do acontecimento tão sinistro. O filho do meio não compareceu em nenhum momento, mesmo no dia do sepultamento do pai. Na folha de papel de cor rosa, havia a seguinte mensagem:

“Querida esposa, queridos filhos, netos, sobrinhos e amigos!

Nunca imaginei que fosse ter coragem de cometer este ato tão insano. Tirar minha própria vida. Já faz algum tempo que minha cabeça não conseguia mais raciocinar de forma adequada. Perdi totalmente a lucidez. Considero-me um homem que colecionou derrotas. A vontade de viver e a coragem para enfrentar os problemas tão graves não prevaleceram. Resultado de tantas decisões equivocadas, desde a minha juventude, culminaram com tantas desgraças em minha vida que, certamente, atingiram cada um dessa família que poderia ser mais feliz. As derrotas, as quais fiz referência e provocaram um descontrole em minha vida, se devem a: insegurança, indecisão, omissão, medo, falta de coragem para solucionar problemas urgentes e graves, submissão, excesso de humildade etc. etc.

Peço perdão, principalmente aos membros de minha família, por ter sido tão fraco e ter deixado acontecer tantos dissabores. Não se perturbem. Levem a vida com paz e tranquilidade. Não quero que essa decisão prejudique a rotina de vida de vocês. Acredito que Deus, com Sua infinita misericórdia, possa me receber com carinho e perdoar-me pelo que fiz.

Não posso deixar de registrar que, apesar dos fracassos sofridos, ainda permanece um legado positivo. Tentei e consegui construir pontes importantes. Tenho o respeito de muitas pessoas, a beleza e a inteligência de meus filhos e netos, e o amor que foi a tônica de meu comportamento. Amei com abundância todos os membros de minha família. Nunca trabalhei para prejudicar ninguém. Acho que precisava de dizer "não" mais vezes. Uma coisa não posso deixar de dizer: se errei, não foi proposital. Minha intenção era acertar.

Um abraço carinhoso de quem vai embora, porém, onde estiver estará cuidando de vocês. Perdoem-me, mais uma vez, por tudo que os fiz sofrer.

Assinado: Lucas Fortunato de Paiva. Aos 28 de setembro de 2019."

Lida a carta, todos se emocionaram e um choro coletivo tomou conta do local. A viúva, pessoa muito católica, pediu que todos dessem as mãos e pronunciassem a oração do PAI NOSSO, rogando a Deus que perdoasse seu marido que, apesar das dificuldades, sempre foi cuidadoso com sua família.

As providências seguintes, a partir do falecimento do patriarca, deveriam ser tomadas pela família. Infelizmente tiveram que sofrer e viver o luto.

OBSERVAÇÃO - Este é um texto de ficção. Não se trata de um fato real. Qualquer semelhança é pura coincidência.

LUIZ GONZAGA PEREIRA DE SOUZA
Enviado por LUIZ GONZAGA PEREIRA DE SOUZA em 17/01/2024
Reeditado em 28/01/2024
Código do texto: T7978448
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