As cinzas do Incenso

Ela comia a melancia com a melhor boca que ele já tinha visto,

sorvia o caldo com sofreguidão, uma sede imensurável e podia sentir os sais mineirais agindo em seu organismo e a disposição surgindo. Abria um sorriso incrível e corria à lavar a boca e os braços melados do caldo doce ...

A tarde já ia caindo e o sol se despedindo em um cálido raio que ainda insistia entrar pela janela, fazendo sorrir também o Lírio da Paz que ela fazia questão de molhar todo dia cedinho, e com ele conversar, contar sobre as esperanças de mais um dia.

A sábia natureza parecia conspirar mesmo a favor da vida, e ele floria para receber o ano que nascia.

A flor branca e única anuncia a boa estação.

O São Jorge vermelho estava em cima da arca, e a santa de sua devoção bem ao lado rodeada de anjos ... e ela se dizia espírita !

Arcanjo Miguel um fiel amigo e companheiro ...

Do outro lado o cão a aguarda abanando o rabo, pôde ver que ele sorria feliz, seus olhos brilham, sobe em seu corpo ficando quase do seu tamanho, ela fala com ele a linguagem do amor, e na mesma hora é obedecida.

O homem amado ali na sua frente pedindo atenção, ouvindo as mais belas canções, e rodopiam pela casa felizes... o ano acaba, outro começa com a promessa do amor renovado e puro.

Madrugada do dia 31 ...

Eles acordam com a voz dos vizinhos, a mãe grita ensandecida :

- João não sai assim.... João não dirige bêbado!

- João meu filho volta !

- Ela grita desesperada, João voltaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

- A avó grita, João não sai assim...

- Voltaaaaaaaa Joãooooooooooooooooooooooooo

O rapaz de 20 anos sai rangendo os pneus, corta a paz da noite.

No silêncio da madrugada escuta-se o ranger dos pneus em curvas mal feitas, o coração bate descompassado, a mãe chora pela rua, os tios gritam, alguns pegam carros e saem atrás, fica todo mundo meio doido, o os pneus cantando ... ainda se pode ouvir, até que a rua volta a ficar quieta, carros voltam, ninguém sabe de João .

Passam alguns minutos, vinte talvez, e o som volta a surgir e rasga a noite com o som provocativo de pneus e novamente os gritos da mãe, e o jovem arrogante e desobediente.

O que você faria se seu filho fizesse isso ?

Pois bem, João não ouve ninguém, com ar de "Homem" ultrajado grita na noite:

- Para mãe ! Eu vou sim, chama a polícia se quizer me deter !

- E volta a sumir na esquina escura com o carro em alta velocidade.

Até que um som forte toma lugar dos pneus rangendo no asfalto,

João perde o controle do carro, bate em um muro, acaba com uma casa, acaba com o carro... João morre na ambulância indo para o Hospital.

João era o filho caçula, mimado e egocêntrico.

Ganhou seu carro antes de completar dezoito anos, aprendeu a dirigir sem ter idade, dirigia sem carteira até fazer a maioridade, apoiado pelos pais João sempre burlou as regras da sociedade, burlou as regras de seu lar, não respeitava seus pais.

Desde cedo incomodava os vizinhos, quebrava vidraças, respondia com palavrões.

O pai de João é médico.

A mãe de João é professora.

Permissivos e omissos. Nunca disseram um não e foram atendidos, aceitaram a desobediência desde a infância.

Hoje enterram João aos 20 anos.

...O incenso queima na sala, cheira melancia.

Joga as cinzas no caixão de João ... um perfume doce na rebeldia da morte prematura...

O final poderia ter sido diferente !