Rosas não nascem mais ali

Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, CE 23 de janeiro de 2024

Feliciano, homem feliz, vivia para as suas rosas, a rainhas das flores. Acordava cedo e dormia tarde, sempre disposto, nada o perturbava. A única preocupação era a chuva, que, embora escassa para as bandas de onde cultivava suas preciosas rosas, vez por outra, caía uns pingos fortes, ocasião em que era necessário protegê-las.

As rosas não gostam de água em excesso, ele sabia disso. A atividade mais estafante para ele era a rega, fazia sempre ao meio-dia, para que passassem pouco tempo úmidas, evitando o aparecimento de doenças. Todo esse cuidado fazia do seu plantio uma beleza, algumas pessoas passavam e paravam apreciando o homem das rosas trabalhando. Solteiro, morava sozinho e não admitia que atravessassem sua cerca para passear entre os canteiros, muito menos colher ou tocar em uma rosa, sequer. Somente o comprador que de três a quatro meses aparecia para recolher o que comprara.

O momento de entregá-las, era um tormento, se consolava em saber que novos canteiros teriam de receber cuidados, renovação do trabalho que gostava de fazer. Embora não detendo o conhecimento de ver um filho partindo para ganhar o mundo, portava-se como tal, quando suas rosas sumiam no horizonte da estrada, levadas pelo veículo da floricultura da cidade. Enquanto a poeira não dissipava, não arredava o pé. Olhos marejados indicavam que a dor era imensa.

Certa manhã, bem cedo, apareceu uma garota em seu portão, perguntando se ali não teria um trabalho para ela. Os pais haviam morrido, era órfã, estava sozinha no mundo. Situação estranha para ele, já que estavam longe do próximo povoado, quase ninguém aparecia por lá

Um sentimento de carinho aflorou no coração daquele homem rude. Sem perguntar como ela chegara até ali, abriu o portão. Aquela criatura frágil à sua frente poderia lhe ser útil. Ele perdia tempo em cozinhar, tarefa que não gostava de fazer. A garota, acompanhando aquele senhor, entrou na pequena casa de tijolo, sem reboco, chão de barro batido, poucos móveis, e, olhando para cima, percebeu que ali não havia luz. Virou-se para um lado e outro e viu apenas uma lamparina. No outro cômodo uma mesa, duas cadeiras e um pequeno fogão à lenha. Na parede ao lado, uma porta, ela pensou, ─ deve ser o quarto dele. Ao fundo outra porta que dava para um imenso quintal, nele um jirau, um pote grande de barro, algumas panelas ainda sujas, e outros utensílios de cozinha. Era o local onde se lavava panelas, pratos, roupas, tudo em pequeníssimas quantidades. Havia também um quartinho de madeira, dentro dele um tonel onde era armazenada a água para o banho, após o trabalho no roseiral. O produto das necessidades fisiológicas era jogado em um buraco, cavado a céu aberto. Nada daquilo era estranho a ela, vivera em condições piores, na casa de seus pais.

Erguendo a cabeça deparou-se com imenso e belo roseiral. Encantada, passou a correr entre as fileiras de rosas, tocando suavemente em algumas. Cansada, deitou-se no chão e se pôs a cantar uma música, estranha ao seu Feliciano. Escondido, via tudo que a garota fazia, em seu primeiro contato com o local. Ele estava feliz com aquelas cenas, sorria, gesto que quase não praticava. Sua vida, pensava, mudaria com a chegada da garota, uma agradável companhia.

À noite foi preparado um lugar para ela dormir. Seu Feliciano colocou algumas pranchas que estavam encostadas na parede da casa, sem utilidades predeterminadas, levou-as para dentro da casa e, utilizando tijolos, improvisou uma cama para tão bela companhia. Ele continuaria dormindo em sua velha rede e Belinda, naquela cama feita com muito carinho, forrada com velhos trapos de panos, limpos e cheirosos. Naquela noite ele demorou a dormir.

Levantando-se cedo, a nova inquilina daquele casebre foi para o roseiral. Querendo agradecer a acolhida, pegou um balde, encheu-o com água do tonel e foi regar as rosas. Infelizmente aquele dia se prenunciava chuvoso. Já não havia mais água no tonel, a chuva a fez ficar feliz. O dono do roseiral correu para cobrir o canteiro com o plástico, percebendo a quantidade de água ali depositada, olhou para a garota, ainda com um balde nas mãos e sorrindo. Num acesso de raiva jogou em sua direção o que trazia na mão. Era um martelo, que acertou a cabeça da menina. O sorriso que ela lhe dirigia parecia provocação. A linda menina, ainda sorrindo, veio a óbito. Desesperado, seu Feliciano abriu uma cova no meio do roseiral, jogou a garota dentro e cobriu com areia, repondo as roseiras com cuidado. Ninguém saberia da passagem daquela pessoa em seu terreno.

Passados dias, as rosas começaram a murchar. Seria pelo excesso de água daquele dia? – perguntava-se o homem. A partir daquela data nunca mais foi possível cultivar rosas no terreno de seu Feliciano. Sua felicidade terminou!

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 02/02/2024
Código do texto: T7990904
Classificação de conteúdo: seguro