CONTISTA

- Não seria bem melhor escrever em um computador ou no notebook?

Totalmente concentrada em passar para o papel aquele que seria seu novo conto Vanessa se assustou ao escutar uma voz por trás de si. Mais assustada ficou quando ao virar-se para ver quem era se deparou com Lute. Ficou nervosa quase de imediato. Ele só falava com ela de oi. Popular como ele era na faculdade ela não seria o tipo de garota que iria despertar nele algum tipo de curiosidade.

- Eu sempre te vejo escrevendo nos intervalos das aulas. Tu gostas muito de escrever, não é?

A pergunta inusitada fez a moça deixar a caneta cair. Não esperava que o cara mais admirado pelas garotas do curso de arquitetura se dirigisse até ela e, ainda por cima, fizesse uma pergunta como aquela.

- Como é esse negócio de escrever? De onde vem a inspiração? - Prosseguiu ele.

Sentindo seu rosto ficar vermelho e lutando para não gaguejar ela pareceu levar o tempo de uma era glacial para responder.

- Ah não sei lhe dizer assim de imediato, mas não é uma coisa mágica. As vezes estou andando na rua e vejo algo que chama a minha atenção, tem vezes que é uma música que faz eu lembrar de alguma coisa, livros que já li. Teve uma vez que senti um cheiro forte de colônia dentro de um ônibus e escrevi uma história, era sobre um cara que...

- Posso ler esse trecho que tu estás rabiscando? - Falando isso ele ficou ainda mais próximo, a um ponto em que ela pode ver com mais detalhes a barba de uns três dias que ele ostentava. Ela achava-o bonito. E agora ele estava ali perguntando sobre as coisas que ela escrevia. Ninguém na faculdade perguntava sobre os seus escritos.

- "O nobre leitor acredita em fantasmas? Se a mim fosse feita esta pergunta talvez respondesse que não, mas apenas para não parecer louco diante de meu interlocutor. Estaria mentindo. Eu acredito em fantasmas."*

- Isso tá parecendo bem interessante. Vou te falar uma coisa: eu sei que é meio idiota esse negócio de alma do outro mundo, fantasmas que arrastam correntes lá não sei aonde, mas mesmo assim eu acredito. Tu acreditas em fantasmas?

Sem deixar que ela sequer lhe respondesse ele foi logo emendando outra pergunta.

- A inspiração veio de onde pra escrever essa história?

Vanessa estava ficando cada vez mais surpresa. Não estava acostumada a falar sobre os seus queridos escritos (era assim que ela carinhosamente se referia aos seus contos), ainda mais para alguém como Lute, tão desinibido, falante e bonito.

- Ah, quando eu era criança passava as férias na casa de meus tios no interior, eles sempre contavam histórias de assombração antes da gente ir dormir. Eu lembro que dormia embrulhada dos pés à cabeça de tanto medo. Lembrei disso e resolvi escrever algo que envolvesse fantasmas, sortilégios, presságios, essas coisas todas.

O sinal de retorno às aulas tocou. Lute olhou o relógio e falou.

- Vou ter Sistemas Estruturais agora. Quando essa história ficar pronta tu me mostras ela?

- Ah, te mostro sim - Vanessa respondeu mal conseguindo disfarçar a timidez.

Lute se afastou e ela ficou admirando aquele rapaz alto que tinha um andar engraçado, mas que ela havia achado simplesmente encantador.

Subitamente ele para, volta-se para ela e diz:

- Você gosta de criar mundos, não é? Posso te pagar um sorvete depois da aula? Só não pode de baunilha porque é horrível. - Disse isso e se afastou com um sorriso nos lábios.

*Trecho retirado do conto PRESSÁGIO, de Iolandinha Pinheiro, 2018.

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 29/03/2024
Reeditado em 29/03/2024
Código do texto: T8030782
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