Um caco de mulher

Um caco de mulher

Não a conheci pessoalmente. Na verdade, sim: Debora, Leticia, Paula, Maria, muitas Marias, Kethellen, Jessica, Zenóbia.... Ouvi falar dela quando chegamos para ocupar a quitinete que outrora ela ocupara com seu amor. Quantos sonhos ela teria? Fazer pratos deliciosos para agradá-lo? Cuidar da roupa dele para que estivesse sempre um homem impecável? Ter filhos com ele e ouvi-los chamando-os de “papai e mamãe”? Chegar cansada do trabalho e ainda correr pra que a janta estivesse pronta pra quando ele chegasse? Mas ele nem elogiaria o esforço dela, afinal, ambos trabalhavam, por que ela chegava mais cedo para cozinhar mais pra ele do que pra ela? Só por que era mulher? Às vezes ele lanchava na rua, claro que não lembrava de trazer um lanche pra ela e o que ela cozinhou ficava pro dia seguinte. A fome dela até passava, porque comer bem pra ela significava ele estar satisfeito com a comida.

Vivendo na casa. dela achei muitos fios de cabelo. Na última briga a polícia foi chamada porque ele a arrastou pelos cabelos. Deu “Maria da Penha. ” Dela achei fios de cabelo. Muitos, predendores de cabelo no banheiro, o que significa que tinha cabelos compridos

Achei um tarja preta caído atrás da cama, sinal que não conseguia dormir bem e que a vida estava se tornando insuportável! Que palavras ditas por ele a feriram tanto? Que gestos a magoaram em demasia?

Encontrei também o ticket de um filme que ela assistiu: “À beira do abismo.” Ela se sentia assim? Foi obrigada a assistir? Como se sentiu depois? Como no filme, tudo não era bem como parecia que era?

Logo que cheguei nova casa pensei nela, em como desejou ser feliz. Não culpo ninguém, mas os homens com medo de mulher e não como ódio como a definição de misoginia revela, acaba com sonhos, com projetos e com vidas. As delas. É só ver as estatísticas ou o noticiário de todo dia.

Um dia encontrei um caco e dentro de casa. Certamente pertenceu a ela. E decidi dar a este texto, este nome: Um caco de mulher. Mal sabia eu que nossa sina que nascemos mulheres, seja rainha ou moradora de rua, sempre vamos encontrar, se ainda não encontramos, um lobo mau, que rouba nosso sorriso, nosso desejo, nosso sonho, nossa dedicação, nossa fantasia, nossa vontade de viver e pelo menos por uma vez na vida nos faz sentir um caco de mulher. 01/04/24

Cátia Cristina RJ
Enviado por Cátia Cristina RJ em 01/04/2024
Código do texto: T8032625
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