À beira do abismo
Cresce dentro de mim uma dor. Enquanto sentado a mesa tomo meu café penso nela. São 12:39 e eu acabei de almoçar. Refletir enquanto tomo meu café é um ritual diário.
Alguém apressado para algum compromisso me cumprimenta. Ouço a voz masculina, grave, de idoso, mas não a reconheço e ao procurá-lo nada encontro.
Que importa? Ele quis cumprimentar mas não fez questão alguma de ouvir uma resposta. Todo mundo anda muito apressado.
A dor me sufoca e eu mal posso enfrentá-la. Me faltam forças. Meu corpo enfraquece, minha mente vaga nesse labirinto de expectativas e realidades espinhentas.
Respiro fundo. Sinto as lágrimas virem aos poucos. Outra fase da dor.
Dói meu peito, falta-me ar e minhas mãos trêmulas mal conseguem segurar a xícara que acabo soltando por falta de firmeza.
Vejo-a espatifar-se no chão. Aquela xícara não é mais nada, assim como eu não sou mais.
Mas o barulho machuca os ouvidos. Ninguém presta atenção. Ninguém se importa. É só mais uma xícara quebrada. Quanto deve custar uma? Quem ouviu meu coração se estilhaçando? Quem medicou-me para dor? Quem tentou salvar-me a alma?
Vou até o banheiro. Lavo-me. Preciso acordar. No espelho o espectro de alguém que já foi uma pessoa. Outrora saberia, mas hoje não sei o que vejo refletir-se nele. Então 'espectro' parece a denominação adequada para aquela imagem triste, com pálpebras pesadas e olhar distante.
Aquele sou eu ou o que restou de mim?
Ajeito minha camisa, jogo água na nuca e na face uma e duas vezes. Preciso cuidar da imagem. Basta parecer. Eu só preciso parecer.
Volto pisando firme, resoluto, posturado. Basta parecer, e isso não é difícil.
Adentro minha sala. Sento-me tomando o telefone e discando para minha secretária.
- Silvana, mande entrar o próximo paciente.