Botando banca

O primo Jaime Eustáquio estimou em três mil contos o investimento para botarmos em sociedade uma banca de revistas. Não me lembra contudo, se individual, ou por cabeça...O ano era 1969 e nos encontrávamos ambos recém-ingressados na Universidade Federal de Minas Gerais, ele na engenharia e eu nas letras, diploma de alemão... mas não sei se falávamos a mesma língua...ou moeda.

As bancas de revistas, praticamente padronizadas, feitas de metal eram então muito demandadas, e presentes, em Belo Horizonte. O povo em geral preferia ler o que estava estampado nas capas dos jornais, mas também , chegavam a comprá-los, eles que vinham principalmente de São Paulo e do Rio de Janeiro, e os locais, entre os quais sobressaía-se o Estado de Minas. E das revistas, havia uma variedade incrível, desde as tradicionais semanais O Cruzeiro e Manchete, às de modas e fofocas, sempre indispensáveis nas salas de espera dos consultórios, salões de beleza, e, naturalmente as de quadrinhos, infantis e infanto-juvenis...e as de palavras cruzadas...e outras formas de entretenimento, do adulto ao adúltero...

Morador de pensão e bolsista de alimentação da Universidade, mas sem fonte de renda à vista, ou mesmo a curto ou médio prazo, eu não dei resposta imediata ao primo. Achava que o negócio parecia bom mas hesitava em levá-lo aos meus pais que viviam do salário mínimo com aquela prole enorme e, não sem sacrifício já me garantiam o pensionato...

Do primo Taco eu pouco sabia. Morador em Belo Horizonte já havia vários anos, morava na companhia da mãe viúva, tia Jandira, e de uma vasta irmandade, já empregada maiormente em atividades pedagógicas. Mais velho do que eu uns cinco anos e já namorando firme, devia ter os seus cobres. Afinal - eu viera a saber um ano antes - ele se submetera a uma operação para se livrar das sardas que lhe cobriam o rosto...mas manteve o ornamento dos cabelos cacheados, cor-de-mel...

xodosíssimo de tia Alice, primogênita da irmandade, casada com um ferroviário, sem filhos, mas sempre criando um par de moças, residentes em Bom Despacho.

Com a ideia da banca a me acompanhar, de quarteirão em quarteirão, os dias foram passando, sem que surgisse fato novo ou pelo menos uma nova rodada de conversações com o primo...e até cheguei a perder o gosto de ler as manchetes dos jornais expostos ao público e agora não me lembro senão de uma única delas ...que dava conta de uma coça de 8 a 2, das feras do João Saldanha, preparando-se para a Copa de 70, numa Seleção de Sergipe...e nesse meio-tempo depois de uma brevíssima experiência num balcão de farmácia, e uma aulas noturnas de inglês, como professor substituto, num ginásio comunitário no bairro da Concórdia, eu próprio, a solas, comecei a botar banca ...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 21/05/2024
Reeditado em 21/05/2024
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