Mundos possíveis

Gilberto sentava-se ao lado de Leandro, seu amigo, comparsa, na mesa de uma pequena mercearia, daquelas onde se vende de tudo, pães, lanches, refrigerantes, cachaça. A mesa ficava do lado de fora, copiando o bar ao lado mas com menos nobreza. Os dois bebiam uma lata de cerveja e observavam o movimento do luxuoso bairro do “mirante”.

- Mas olha só que beleza, tem até isopor aqui. – Orgulhava-se Leandro.

- É, menos mal.

- Olha ali aquelas belezinhas, ah se eu tivesse dinheiro. – Lamentava Leandro. Não que não tivesse dinheiro, mas certamente nunca era o suficiente.

- Rapaz, olha aquela de shortinho branco, ah...

Gilberto e Leandro de certo que já não eram tão jovens, beiravam os trinta, mas certamente não era isso que os fazia abandonar os velhos costumes. E ambos não eram igualmente acostumados. Leandro relutava a vulgaridade, e Gilberto nem a reconhecia. E como se reconheceria isso se não fossem as palavras do narrador? Simplesmente não se reconheceria.

- Leandro, olha aquele casal de tios indo se sentar ali. – Ele se referia ao luxuoso bar (se é que isso existe) que oferecia deliciosas porções de Bacalhau em todas as espécies e para todos os gostos. O cheiro que saía de lá era sedutor. As pessoas pareciam mais elegantes, as vozes mais bem sonantes. – Quero ser assim, ter dinheiro pra poder sair de casa em plena quinta feira e ir jantar com a esposa, mas que vidão, ein!

- É, eles parecem ser daqueles que tem poucos filhos, dois no máximo, e ambos já longe de casa. Aí aproveitam como podem. O maridão diz ”querida, vamos comer onde hoje? Estou tão entediado”, e a esposa submissa responde: “Ah, onde você quiser me levar, o mundo é uma caixinha de surpresas”. É, pras pessoas que saem numa quinta-feira pra comer Bacalhau nesse restaurante com essa cara de felicidade o mundo realmente deve parecer uma caixinha de surpresas.

...

O casal acabara de se sentar e o garçom já trazia o cardápio.

- Olá, senhor, madame, aqui está nosso cardápio. Se quiserem alguma sugestão, por favor, me chamem e eu adorarei ajudá-los.

- Muito obrigado, rapaz - Dizia o senhor animadamente – e traga-nos uma garrafa de Vinho tinto seco, hoje vamos brindar!

- Perfeitamente, senhor, trarei o da melhor safra! – Sorria o garçom esperando já algumas gorjetas.

- Não, não, rapaz, não precisa ser da melhor safra, não, nós não saberíamos apreciar tanta classe, traga-nos um mediano. – Logo a alegria de Antônio parecia se mesclar com o silencio.

- Antônio, não deixe que os problemas nos acabem com o humor logo hoje, no dia do nosso aniversário de casamento. Tanto esforço pra que conseguíssemos criar nossos filhos e fazer deles pessoas dignas de um bom emprego, de estudo. E veja só como estamos, aqui, comemorando aniversário de casamento.

- Estás certa, querida, mas nem tudo me deixa muito bem, não. E eu não consigo evitar. Por que é que Danilo foi fazer isso comigo, logo agora que eu havia conseguido uma vaga no setor de venda e distribuição... Eu não sei o que será do meu emprego, não mesmo. E ainda faltam cinco anos pra aposentadoria. - Reclamava Antônio que parecia prestes a apressar o garçom - Veja só a cara do dono desse restaurante, sentado atrás do balcão só olhando a movimentação de dinheiro que acontece, com aquela cara de quem não está nem aí pros outros, pros problemas. Eu não consigo fazer aquela cara, Luci, não hoje.

O homem que se sentava atrás do balcão de fato estava com um belo sorriso no rosto, mas não que estivesse feliz pelo lucro do restaurante; recém havia ganhado seu primeiro filho que estava na maternidade nos braços da mãe. E que sorriso! O homem não se continha de felicidade, planejava o filho o tempo todo e sua vida era agora a de uma família completa.

...

E se não fosse pelo narrador, quer saber como seria a vida? Como ela é, cheia de falsos julgamentos, cultivada pelo egoísmo de pessoas que não conseguem sequer pensar nas possibilidades contrárias às que aparentam ser mais evidentes. Seria assim, montada em preguiça, a preguiça do homem de fazer justiça aos outros, a preguiça de reconhecer na própria limitação, a própria ignorância. Seria uma vida de mundos possíveis, mundos tão distantes que às vezes se cruzam mas logo se distanciam, seria, por fim, uma vida sozinha. E que venha o narrador do narrador.