Desespero

Com os pensamentos inundados pelo remorso, causado pelos encantos etílicos, irrompera seu apartamento quase que de joelhos, com os olhos inchados do choro copioso que lhe aturdira desde o ato horrendo que cometera. Quase que rastejando, movera-se até a cozinha, abrindo e fechando armários, com certa violência, a mesma violência que há poucos minutos praticara contra a jovem que um dia jurara dar a vida. Juras em vão, pois agora ela estava inerte, ficaria tão fria quanto o chão onde estava deitada. Mesmo com o álcool agindo ainda em sua mente a imagem da sua jovem amada, ali imóvel, ainda estava, constantemente, no fundo de sua retina.

A cozinha era pequena. Não foi difícil revistá-la. Constatara que nada acharia ali. Correra para o quarto enquanto lembrava-se das últimas palavras de sua amada, agonizando, com os olhos grudados nele e as mãos em seus braços fortes, como num suplício. Aqueles pensamentos o estavam matando. Mais armários, mais gavetas e nada. Tinha que achar algo que pudesse dar fim à sua agonia. E tinha que ser rápido, enquanto a embriaguez ainda lhe dava coragem para tal. Uma vez mais sua busca fora em vão. Quedara-se em sua cama, que outrora fora um ninho de amor e paixão e agora poderia seria sua última morada. Mas como fazer? Como? Após mais um acesso de choro e gritos que pareciam ser no vácuo, lembrara do banheiro. Sim, o banheiro, onde ela mesma guardava comprimidos tarja preta, para depressão. Os mesmos que ele, muitas vezes condenara e fizera campanha para que ela os jogasse fora. Será que teria atendido aos seus pedidos? Como num súbito, levantara da cama, com os lençóis enroscados em suas mãos, as mesmas que há pouco esmagavam o pescoço da amada. Por quê? Pelo simples motivo que ela o ia abandonar? E com razão. Ela suportara demais as madrugadas sozinhas, enquanto ele a esquecia, a trocava por uns copos de whisky barato e umas mulheres noctívagas. Ela tinha razão em querer ir embora. E foi. Por suas mãos. E aquilo o estava matando aos poucos. Tinha que acelerar o processo.

Tropeçando nos poucos móveis do quarto, tentara desvencilhar-se dos lençóis enrolados também em seus pés, o que ocasionara em sua queda, quebrando o vidro da janela adjacente ao banheiro. Seu braço agora sangrava muito. Sem dar muita importância ao ferimento, invadira o banheiro acendendo a luz. A visão era turva pelo marejar dos olhos. Praticamente arrancara a porta do armarinho do banheiro, pois não suportara ver seu reflexo no espelho. Talvez fosse imaginação sua, mas sua imagem estava irreconhecível. Um monstro. Ele o vira como em monstro. Assassino.

O frasco com os comprimidos estava lá. Pegara com ânsia. Olhando fixo para o recipiente, esboçara um sorriso, desesperador. Caminhara devagar em direção à sala. Mirou o bar, no qual se encontrava uma garrafa intacta de um whisky caro, presente dado pela amada no seu último aniversário. Apossara-se da garrafa e com a mesma calma sentara-se no sofá. Abrira cuidadosamente tanto o frasco tarja preta quanto o destilado. O choro ainda o acompanhava e a cada pílula colocada na boca acompanhava um gole da bebida. Ele ainda sentia o salgado das lágrimas. Quando o último fora engolido, entornara a garrafa até o último gole. Jogara a cabeça para trás, recostando-a no sofá surrado. Olhara em volta, pela janela o dia raiava. Ainda esboçara um sorriso medíocre antes de tudo escurecer. Embora continuasse a chorar, não mais sentia o salgado das lágrimas.