CONTEÚDO

Dr. Antônio estava muito doente. A consternação era geral. Sem dúvida, era o cidadão mais considerado daquela cidade do interior.

Fora para lá jovem, poucos anos após se formar em Medicina, pois queria um lugar saudável e o mais sossegado possível. Afinal era essa a sua índole. Calmo, muito educado e bom ouvinte.

Os idosos eram os que mais dele gostavam, justamente porque o Dr. Antônio os ouvia com toda a paciência. E, não poucas vezes, a cura de muitos males, começava por aí.

Além disso, se tornou famoso nas redondezas, pois sem dúvida alguma, era um excelente profissional. Os médicos das cidades vizinhas vinham a ele para trocar idéias e informações sobre diagnósticos os mais diversos, e os respectivos tratamentos.

Apesar de clinicar no interior, sempre ia às cidades grandes para participar de congressos e afins para estar bem atualizado com os avanços científicos.

E assim, corria a vida. Conheceu a srta. Rúbia, natural da terra, muito bem educada, de cultura e talento acima da média. Além destes predicados, adorava crianças, o que muito valeu ao Dr. Antônio no trato com os pequenos doentes.

Mas, o tempo passou. Muito tempo. E o Dr. Antônio ficou muito doente e ele sabia que era grave. As dores abdominais só eram controladas por dona Rúbia. Ele não reclamava das dores, mas sua fisionomia tudo denunciava. Os médicos amigos, diziam que tal quadro poderia durar muitos dias.

A notícia do estado do Dr. Antônio se espalhou rápido e começaram a chegar diversas pessoas para manifestar seus sentimentos.

Quando o padre chegou para ministrar a Unção dos Enfermos, todos já lá se encontravam.

Terminado o rito religioso o padre pensou: “Quando te fores, vais deixar uma lacuna bem grande, pois eras também, a seu modo, um confessor. Que o Senhor, em sua infinita misericórdia, te acolha.”

Abraçou fraternalmente dona Rúbia e se despediu.

- Jeremias, o comerciante pensava: “Como vai ser depois do Dr. Antônio? O comércio vai cair bastante, pois vem muita gente de fora a se consultar com ele. Os hotéis, restaurantes, transportes vão sofrer um baque daqueles.”

- O enfermeiro Carlos: “Aprendi muito com ele. Trabalhava o tempo todo, mas era bem reconhecido, pois cuidei de minha família modestamente, porém nada faltou-nos.

Como será o próximo? Haverá o próximo?”

- Tiago, o carteiro: “Enviei e trouxe milhares de correspondências do Dr. Antônio e ele sempre tinha uma palavra de agrado e, não raras vezes, acompanhada de uma gorjeta. Bela pessoa.”

- João, o mecânico: “Já são poucos os carros na cidade e, agora, menos ainda, visto que o Dr. Antônio sempre me confiou os seus carros para consertá-los ou negociá-los. Acabou.”

- Os médicos só diziam: “Como há de ser daqui pra frente sem o Dr. Antônio?”

E assim desfilaram muitas outras pessoas e pensamentos.

Mas, uma em especial, a decaída Rogéria chorava sem parar, ao ver o estado sofrido do médico, tanto que dona Rúbia teve que a consolar. Tratava o Dr. Antônio de “paizinho”. Ele curou-a várias vezes das doenças físicas e de comportamento.

Rogéria rezou : “Senhor, se a nossa vontade for a mesma do Senhor, cure-o e o mantenha no meio de nós. Mas, se ele já cumpriu a sua missão, abrevie seu tempo e não o deixe sofrer. Eu sei que ele está sentindo muitas dores.”

Foi para casa. Andava pela rua com um vazio enorme no coração. Lá chegando, sentou na cama e começou a chorar de novo. E, assim, dormiu.

Acordou assustada. Rememorou tudo num relance. Tomou um bom banho e se vestiu de maneira mais convencional. Foi voando para a casa do Dr. Antônio.

Dona Rúbia a recebeu e disse: “Calma menina, teu “paizinho” já está com Deus. Logo depois que você saiu, ele acordou, conversamos por uns vinte minutos e nos recordamos de grandes momentos de nossas vidas. Depois entregou seu espírito a Deus. Posso te afirmar que ele não sentiu dor alguma. Esteve muito calmo o tempo todo.”

Rogéria agradeceu a Deus.

Afinal ela foi a única pessoa que rezou pelo Dr. Antônio e a única que se compadeceu de sua dor.

Moral da história: “O que vale não é o recipiente, o que vale é o conteúdo.”

E Deus sabe.

FARNEY MARTINS
Enviado por FARNEY MARTINS em 16/01/2008
Código do texto: T819659
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