A FILA ANDA

Tarde de primavera. Eu estava comodamente caminhando sem rumo pelo meu supermercado favorito, olhando todos os preços possíveis, o carrinho muito mais vazio que cheio. Não tinha compromisso nem com trabalho nem com ninguém. Sentia-me tão livre que dava vontade de voar. Mas me sentia tão livre que chegava a enjoar.

Eu o vi logo que ele pôs os pés no super. Estava acompanhado de um amigo que eu nem lembro mais o rosto. Alto, fortinho, barba por fazer. Meu tipo. Imediatamente consegui olhar um por um dos dedos das mãos dele. Nenhum sinal de aliança nem na mão esquerda e nem na direita. Não que isto significasse grande coisa. Mas já era para dar alguma esperança. Ele e o amigo foram para o corredor dos congelados. Eu fui atrás. Posicionei-me próxima, cheia de estratégias. Segurei um por um dos congelados, conferi preços e calorias até que finalmente ele se deu conta que havia uma mulher em idade de casar por ali. Porém, contra todas as minhas expectativas, o cretino só me olhou. Foi um único olhar e a ignorância total dali para frente. E então, como a fila anda, eu tirei meu timinho de campo e fui escolher um requeijão light porque o verão estava chegando.

A fila anda. No meu caso, a fila corre. Corre tanto que já estou cansada. É muita correria para pouco resultado. Por isto, mal surgiu o primeiro calorzinho, eu pus na cabeça que sem namorado eu não íria passar àquele verão que se aproximava. E depois nem o outono, inverno, primavera... Minhas estações não seriam mais solitárias, portanto. Resumindo, eu estava à caça. Mas, até então, meus tiros haviam saído tortos.

Eu estava analisando os prós e os contras de uma nova marca de requeijão light quando escutei uma voz bem perto de mim:

- Você já experimentou este requeijão?

- Ainda não. Mas eu achei meio caro e… - e eu parei, enlevada. Era o cara fortinho, alto e de barba por fazer. Gol. Ele estava interessado em mim e não pelo requeijão. Que desculpa furada.

- Mas você reparou que ele tem zero de gordura trans? – insistiu ele.

Papo cabeça. Eu só tinha reparado que o moço tinha zero de gordura no abdômen tanquinho.

- É?

- Você é prima da Cecília?

- Cecília? – fingi que pensava alguma coisa – A loira?

- Não. Morena. Não vai me dizer que também conhece uma Cecília loira?

- Nem loira e nem morena – respondi, imaginando como faria para segurar um homem daqueles do meu lado – Quem é esta Cecília? Amiga? Paquera?...

- Conhecida.

- Ah, conhecida... Bem, pena que eu não posso ajudar você. Eu só tive uma tia-avó Cecília, mas ela morreu há tanto tempo que seria impossível...

- Olha, para encurtar a história, você tem celular?

Cruzes, que homem direto, pensei eu. Não fazia três minutos que a gente estava conversando e ele queria meu celular. Será que ele era rápido em tudo? Tudinho?

- E-mail serve? – perguntei, pegando uma caneta e um pedaço de papel.

- E-mail? – estranhou ele.

- Sim, e-mail. Você sabe escrever, não sabe?

Dar endereço de e-mail era um teste que eu aplicava nos homens. Servia para ver se eles sabiam ou não escrever. Transar com “z”, beijo sem o “i” e coração com “ss” era para abalar com o tesão de qualquer mulher. Passando no teste dificílimo do e-mail, metade do meu coração já estava ganho. Dei meu endereço eletrônico para ele e sem poder resistir, o celular também. O amigo o esperava no fim do corredor e o fofo foi embora. Só quando cheguei em casa é que lembrei que ele não sabia meu nome e nem eu o dele. Ridículo.

Esperei por mails e telefonemas por uma semana. Nada. Nem sinal. Eu entrava na minha caixa postal dez vezes por dia, dormia com o celular ligado e decepção total. Então caí na real. O cara não ia me ligar. A fila tinha que andar, não é mesmo? E eu fui para a praia e terminei por esquecer que ele existia. Até porque, caras iguais a ele existem aos milhões por aí. E melhores, se vocês querem saber.

Eram três horas da manhã e eu já estava mais pra lá do que cá, fingindo que me divertia em uma roda de pagode. Cheia de bolhas nos pés e implorando uma cama, eu sorria que nem uma idiota naquele barzinho de beira de praia, esperando que uma das minhas amigas resolvesse ir embora. Ou que alguém reparasse na minha figura. Foi então que eu o vi. Lindo, gostoso, acompanhado de uma ruiva. Nos enxergamos no mesmo instante. Eu virei o rosto, fiz que observava as estrelas. No segundo seguinte, ele tinha se parado ao meu lado. Pra quê provocar quem está quieto?

- Oi.

- Oi.

- Lembra de mim?

- Do supermercado? Há um mês atrás?

- Boa memória.

- Você é aquele que eu passei o mail e o celular?

- Pois é.

- Ah… achei que você não sabia escrever. Fiquei esperando um sinal seu...

- Pois é… é que eu encontrei a Cecília.

- A Cecília? Mas ela não era morena? A garota que você está é ruiva.

- Pois é… é que ela ficou em casa.

- Então a Cecília está dormindo e você está aqui com outra?!

- Pois é…

- O seu vocabulário só se resume a “pois é”?

- Então…

Saltei fora. Saí caminhando pelo calçadão, agradecendo aos céus do que eles tinham me salvo. Porque pior que um homem que não sabe escrever, é arrumar uma mala que não sabe falar.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 27/01/2008
Código do texto: T835046