A ESCOLA

O PULO DO CANÁRIO

Nestor Tambourindeguy Tangerini

Ali por volta de 1920, na época, portanto, em que “a escola era risonha e franca”, cursava o segundo ano da Faculdade de Medicina um gaiato rapaz que tinha por sobrenome um cantante “Canário”.

O Canário, como chistosamente lhe chamavam os colegas, à guisa de troça e de apelido, não levava nada a sério, inclusive os próprios estudos.

Zombeteiro e brincalhão, com todos pilheriava, chegando mesmo a garatujar pelas paredes versinhos em que os traços de uns e as manhas de outros eram postos em relevo, sempre, sempre, com muita graça e propriedade.

Tendo por um mestre um professor de tez avermelhada, de olhinhos fascinantes e cabelos ruivos, e que ainda por cima usava topete meio arrogante, o nosso “Canário” houve por bem cognominá-lo de “Mestre Cambaxirra”, em virtude de assemelhar-se – explicava – a um cambaxirra do brejo.

A alcunha pegou logo, e, ecoando por todos os cantos da faculdade, foi ter aos ouvidos do “interessado”, que jurou apanhar o “canário” pelo pé.

E o momento azado da desforra veio, justamente, com a chegada dos exames.

Presidindo a uma das bancas, lá estava o “Mestre Cambaxirra” à espreita do “Canário”, que não tardou a ser chamado.

Depois de sorteado o ponto, o referido mestre, fitando bem o rapaz, e por sabê-lo fraco na matéria, investiu, zombateiramente:

- Agora, “seu” Canário, vejamos quem canta mais: se o “Canário” ou a “Cambaxirra”.

O nosso herói, porém, sem dar-se por achado, respondeu-lhe calmamente:

- O Sr. me desculpe; mas não posso aceitar o desafio...

- Por que, seu Canário? – perguntou o mestre, refestelando-se na cadeira.

E a resposta veio pronta:

- Porque eu agora estou na muda... E pássaro na muda não canta...

Foi uma “bomba”...

Crônica publicada na revista O Espeto, Ano 1 / no. 1o. pág. 7, Rio, 15 de abril de 1947, com o pseudônimo Humberto dos Campos.

Arquivo Nelson Marzullo Tangerini:

n.tangerini@uol.com.br / tangerini@oi.com.br

Bergamota
Enviado por Bergamota em 07/02/2008
Código do texto: T849001