O brinde

As taças erguidas no ar tilintavam. Os meus olhos negros seguiram em linha reta o olhar saudoso de Helena. Não era difícil esconder o quanto eu ainda a almejava, no entanto, ela estava casada.

No momento do brinde, pude ver sem estorvo algum, o reluzir da sua aliança cingida no dedo anelar da sua mão esquerda. A eminência do seu casamento era tão certa para mim, que o meu coração não se afundou em desalento.

Helena, eu não a esquecerei. Mesmo porque, se eu tivesse que esquecê-la, uma parte da minha alma teria que ser sepultada. É árduo entender os cálculos da vida, assim como é complexo perder Helena para sempre.

Creio que poderei ser seu amante, marcaremos encontros furtivos, em que apenas o silêncio será testemunha viva de noites frenéticas e pecaminosas. O verdadeiro amor não se doa, não se divide, apenas se multiplica até mesmo na hora da despedida.

Confesso que, sinto uma solidão incontrolável. Gostaria tanto de convidar Helena para dançar, há tanta coisa enterrada em minha garganta, que eu levaria séculos para soletrá-la em minúcias românticas.

Bebo o champagne, o sabor não me alegra como tudo que faço. “Deus meu, onde foi que eu errei?” Na verdade, nunca houve erro. Ninguém possui o mapa certo para se achar o caminho da vida amistosa. Helena entrou em minha vida e, agora, ela sai deixando uma mácula no meu ser. Sei que a memória humana é um baú no qual depositamos recordações que florescem agudamente em nosso coração.

Penso em cometer tantos atos, mas o que me dói feito agulha espetando a pele é saber que ela, Helena, nunca mais será minha.

Necessito de um ombro amigo, duro e verdadeiro que possa me acolher. Lágrimas jorram umedecendo o meu rosto barbado. Tentarei me esconder para me esquivar da face delicada e sardenta de Helena.

A coragem de me expressar, a coragem de ofuscar as lembranças retidas em minha mente me agride. Talvez fosse melhor eu ir embora, dessa forma, a tristeza não me incomodaria. Porém, antes de qualquer coisa, olharei mais uma vez Helena. Palavras são módicas quando a linguagem do coração é flecha ferina na alma.

Tomei cinco taças de champagne. A covardia me leva para um minúsculo quarto. Na penumbra, o espelho reflete meu semblante, estou preso nas correntes da desilusão. “A vida não é minha amiga”. Helena detestava esse meu lirismo piegas:

-Pare de ser melancólico, eu te amo tanto!

Mas o amor também tem o seu lado melancólico e, Helena não entendia isso, acho que ela nunca me entendeu.

-Vamos ver o sol, Helena!

-Quando?

-Agora!

As tardes ensolaradas. O nosso passatempo predileto. Lembro-me bem, eu e Helena subíamos a pedra vermelha, que se localizava na praia do Saiol. A brisa marítima, a dança das ondas, as crianças construindo castelinhos de areia e, o horizonte projetado em nossos olhos enamorados, apresentava o pôr do sol, que cintilava a sua face dourada nas águas amenas do mar.

O sabor da vida era sentido nos gestos da natureza, no vôo sem destino de uma gaivota que circulava no ar para depois mergulhar na imensidão do manto oceânico.

Helena me olhava, ou melhor, esquadrinhava o meu rosto que recebia os primeiros sinais de maturidade. Suas mãos pequenas de unhas ruídas afagavam o meu cabelo encaracolado que flutuava no ar pelo sopro do vento. Nossos lábios se rendiam em movimentos uniformes que concretizavam todo o nosso sentimento. Sentimento que busquei e guardei no lado esquerdo do meu peito.

Sofrer é uma forma de sensibilizar a alma. Uma dor me esmorece nesse instante. Permaneço em silêncio, coço minha face e vejo o quanto essa barba crescida me envelhece. Em seguida, afrouxo o colarinho da minha blusa, retiro meu terno.

Um ruído se aproxima da porta do quarto, vejo sombras que parecem perdidas como eu. Estou acordado para a vida, mas prefiro dormir nos próximos cem anos.

Pela fresta da porta, um pedaço de um guardanapo de papel é deixado entre os meus pés. É um recado escrito de batom cor vermelha.

O vento desfez um castelo de areia.

E, o tempo construiu uma fortaleza de saudade.

Helena...

Abro a porta com ímpeto, não há ninguém no corredor. A vida segue vazia como um rio sem barco, céu sem aviões.

O amor se rompe, se constrói. Estou encurralado na ausência e na permanência desse sentimento. A solidão que me compra, não é a dor que eu tanto desejaria vender.

Longo aprendizado, longa noite... Tomarei mais champagne, até o sol me dizer bom dia.

Mayanna Davila Velame
Enviado por Mayanna Davila Velame em 10/02/2008
Código do texto: T854287
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