SEM PRECISAR DE NOSTALGIA...

Um menino. É isso que vejo ao entrar na cabine do velho vagão de trem. Ao olhar para mim, percebo que tenta esboçar um pequeno sorriso. Enfim, já não sou mais a criança que costumeiramente perambulava pelas ruas à procura de um alvo para traquinar. É engraçado como o tempo passa rápido. Até pouco tempo atrás, não era perigoso jogar uma simples pelada na rua, também podíamos brincar de polícia-e-ladrão sem a probabilidade de sermos censurados. E o que dizer então, de quando íamos às costumeiras quermesses e voltávamos somente ao nascer do sol. Bons tempos...

Nesta nostalgia em meio a antigas memórias, percebo que o garoto à minha frente dormiu. Para o tempo passar mais rápido, começo a observar a paisagem por detrás da pequena janela suja do trem, que igualmente como os bons costumes, também envelheceu. Não preciso concentrar-me muito para perceber o quanto tudo mudou. Onde uma vez havia plantações de laranja, hoje avisto prédios, olhando mais abaixo tento avistar a rocha onde costumava sentar junto de minha primeira amada, mas para minha desolação, apenas vejo concreto.

O trem pára. É o suficiente para me dispersar da paisagem. Ao elevar o olhar para o garoto em minha frente, percebo que me fixa os olhinhos com admiração. Não consigo imaginar quanto tempo ele estava a me mirar assim. Ao perceber meu espanto, logo me oferece um doce e sai. Creio eu, para o encontro de seus pais.

Ao deixar o vagão, deparo-me com um abundante número de pessoas, cada uma trilhando sua vida, num rumo indeterminado, com um objetivo qualquer. Porém, desses olhares eu posso me recordar. São iguais aos que avistei através dos olhos de um menino. São os mesmos olhares que via em minha juventude. Um olhar simples, decidido, porém aguerrido. Procedente de pessoas que acima de qualquer coisa, de qualquer obstáculo, ainda estendem os braços para ajudar, trabalhar.

É estranho, mas depois de notar a doçura daquele menino e os olhares de todas essas pessoas ao meu redor, aquele sentimento de frustração relacionado à extinta simplicidade do interior, já não me assola mais. Não é raro ver em meio a toda essa urbanização, pessoas que se amam, ajudam-se, lutando juntas por seus ideais. Percebo que era realmente disso que mais sentia falta.

Conforta-me saber que todos esses sentimentos, independente do futuro, irão continuar se manifestando eternamente no coração dos cidadãos interioranos. A paisagem pode mudar, porém o povo eternamente se conservará simples e batalhador.