O mais do menos, minha frustração.

Aos quatorze já tinha escrito alguns poemas que mais imitava Chico e um único texto que falava na voz de uma mulher tudo que um homem gostaria de ouvir. As imagens da voz feminina falando, remetiam a situações lindas, de sonhos, de declarações, impossíveis ou possíveis, não tinha certeza. A idade, talvez. Ainda mantenho aquele texto no fundo, lá no fundo da minha gaveta nos meus alfarrábios mais secretos. Questionei minha sexualidade como todo adolescente sem iniciação. Vocês sabem. As pernas de Sandra fantasiavam meu sonho de que de sua boca sairiam todas as palavras do meu texto. Nunca o tornei público.

No rádio tocava sem parar “Alegria, alegria” do Caetano mesmo sendo a quinta colocada no festival. A chuva de sol acordava as formigas que exibia sua metamorfose em tanajuras.

Tudo era só felicidade, mas eu queria era ser artista. E ser artista para mim era pintar. Queria ser pintor. Tomava da caneta, dos lápis de pintura. Minha felicidade diminuía, invadia uma frustração companheira dos dias da minha adolescência. Persisti e tantas vezes as mesmas idéias sem nenhum resultado que pelos menos o meu senso crítico aprovasse.

Mulheres deformadas com linhas animalescas horríveis. Paisagens de fauna e flora que mais parecia provocar sorrisos seguidos de “Meu Deus! O que é isso?. Os montes mais para pratos de areia e rios que a água escoria lateralmente. Caminhos que se percorridos teria de se andar de cabeça para baixo como a homem aranha. Um verdadeiro desastre.

Não desisti. Parti para o abstrato. Verdadeiros borrões se colocados de lado, de frente, de cabeça para baixo, de perfil. Novo vexame. Inventei de jogar tintas, assim como o fazem os construtores de casa de barro do meu agreste querido, o lugar onde nasci. Eles verdadeiros artesãos de moradias com a funcionalidade de qualquer casa digna. - Só os governos não conseguem, falta-lhes dignidade, acho. - O meu quadro me proporcionou algumas repreensões de meu Pai e de minha Mãe que me perseguiu de chibata em puno, descontente por que a minha tentativa de pintor de quadros melara de tintas e seu sofá novo recém comprado.

Não me fiz de rogado corri pra longe da chibata. Fui parar na casa de meu Avô na cidade de Escada no sul do Estado.

Era abril. O inverso daquela região me fez ver as tantas diferenças e dificuldades do meu agreste. Na carta que recebi já haviam substituído da mão a chibata por mãos que queriam me abraçar de saudade. Emocionei-me. Junto um pequeno bilhete de Sione (vizinha cujo som da sua casa com a música do Elvis me acordara no “primeiro beijo”. (Claraluna me fez lembrar àquele bilhetinho na leitura de seu primoroso texto de San Valentino). No bilhete Sione me pedia para que além de voltar logo, descrevesse Escada, o lugar onde eu estava, com a pergunta: como é aí?

Na aula do Industrial de Escada, naquele abril, falava-se da Carta de Caminha ao Rei de Portugal em comemoração ao descobrimento. Subi na carona e comecei também uma carta para Sione com uma descrição detalhada daquela bela cidade cercada de canaviais por todos os lados. Os montes onde o sol timidamente despontava naquelas manhãs frias de inverno. O verde novinho da vegetação onde a chuva é mais abundante. Os rios perenes e cachoeiras que nos remetia a verdadeiros paraísos. As Usinas de açúcar. A gente hospitaleira. Os novos hábitos e costumes. A sirene da Pirapama (Fábrica de tecidos) o apito do Trem. As ladeiras, a feira, o cacimbão. Os caminhões que na madrugada saiam no transporte dos cortadores de cana. A venda do meu avô. A Igreja de Nossa Senhora da Escada. O cinema. O brilhar.

Vi-me pintando um quadro naquela carta.

Questionei-me novamente. Elegi-me pintor. Minhas tintas não melavam mais sofás. Elas falavam, diziam cheiros, emoções. Elevavam bandeiras. Combatiam injustiças. Defendiam os mais humildes. Entoavam o canto dos pássaros e canções nas madrugadas. Sugeriram esperança. Rendiam graças a Deus. As tintas da minha alma exorcizaram minhas dúvidas proporcionaram uma autoterapia eliminando a minha Frustração.

As minhas tintas traçam imagens, mulheres, viagens, paisagens, miragens.

Fiz-me pintor.

Crontei.

Depois eu cronto mais.

Manuel Oliveira

Manuel Oliveira
Enviado por Manuel Oliveira em 23/02/2008
Código do texto: T872908