Num Dia Ruim

Hoje o dia subiu no céu como uma peste. Mas não temos como sitiar a nossa cidade para não deixá-lo mais entrar. Ele apenas sobe e vai cuspindo seus acontecimentos como se fosse algum tipo de andarilho perdido numa região montanhosa, guiado apenas pela força do vento.

Foi ele quem derrubou e cortou a asa daquele passarinho que ia voando pelo céu que não o pertence. O dia gosta de deixar essas coisas bem claras para não restar nenhuma dúvida sobre quem faz o que. É algum tipo de hierarquia que lhe foi ensinada quando nasceu, nos primórdios do mundo. Nós viemos depois, bem depois, e não sabemos de nada dessa lógica, filha bastarda proveniente de uma trepada da ciência com a metafísica.

E ele vai mandando em tudo o que acontece, enquanto o mundo jaz sob o seu poderio. É esse filho da puta quem decide se o ônibus que vou pegar para vir ao trabalho vai estar lotado ou se vou sentado olhando para as ruas cheias de carros enquanto vou pensando em alguma poesia. Às vezes vejo algum corpo inerte no asfalto quente, com uma ambulância a alguns metros e uma multidão ao redor, sugando todo o ar que poderia ter dado vida a esse pobre ex-vivente. Acho que foi o dia que quando acordou não foi com a cara dele. Algum dia ele não irá com a minha cara e vai criar alguma forma de me foder. Ou quando estiver voltando bêbado para casa, assassinado a tiros, com bala achada ou perdida, a facadas, fazer meu cérebro explodir numa aneurisma filha da puta ou qualquer outra coisa que lhe aprouver.

Quando a noite chega, eu fico mais tranqüilo, talvez com a esperança de que ela não tenha um humor tão sensível como o dia. Mas ela é mulher, qualquer movimento em falso é capaz de produzir uma ebulição de vapor de acontecimentos prejudiciais à minha integridade física ou mental.

O melhor a fazer nesses dias é deitar na cama e ficar olhando para a lua, como se olha para deus, e depois dormir.

André Espínola
Enviado por André Espínola em 06/03/2008
Código do texto: T889302
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