Unidos pelo Destino

A situação em que ele estava não tinha mais volta. Até poderia voltar, mas o lado bom caráter, que já era pouco, o forçou a não voltar atrás. Feito isso, Eduardo pôs se de pé e mergulhou no enorme vão que separa os prédios que são entrecortados pela movimentada avenida alvorada, a principal da cidade. Enquanto caia de uma altura de oitenta metros, a única coisa que ele conseguiu pensar foi: E se a mentira dela não fosse verdade? Tudo foi muito rápido e o corpo de Eduardo se estatelou no chão.

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Kátia já não agüentava mais as contrações e o sofrimento aumentava ainda mais. Não era pra ela estar ali, mas sim na maternidade para poder dar a luz a seu bebê de pai desconhecido. Estava no escuro e sozinha. Resolveu gritar. E um homem veio saber o que ocorria.

_ Cala a boca mulher!

_ Não vê que estou grávida. Chama alguém, por favor! Logo vai nascer.

O homem sentiu o drama da mulher e foi conversar com um dos comparsas. Joel disse que tem uma irmã que faz técnico de enfermagem.

_ ... mas eu não sei nada ainda. To aprendendo, mal sei aplicar uma injeção. – disse Fabíola que foi chamada as pressas e chegou depois que o irmão quase a ameaçou.

_ Entra lá e faça o que tenha que fazer. Agora! – ordenou Joel pegando Fabíola pelo braço e colocando-a pra dentro do quarto fechado – e só me saía daí com um rebento no colo.

Minutos depois...

_ Já nasceu? Ta demorando!! – gritou Joel.

_ Ow Joel!! To ouvindo sirene de polícia!! – disse um dos comparsas.

_ Nasceu!! Ele nasceu!! – gritou Fabíola lá de dentro.

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Sergio corria como um maratonista que enxergava a faixa de chegada bem lá na frente. Nunca tinha corrido tanto. A suposta faixa de chegada foi ele ter entrado na estação de trem e ter subido as escadarias. Pulou as catracas e desceu novamente correndo as escadas. Chegou lá embaixo e tudo estava meio vazio, tinha algumas pessoas como se fosse os primeiros colocados que tinham chegado a sua frente. Frustração total, muito mais que a derrota, afinal tinha perdido a despedida de sua amiga Vanessa que estava indo pro aeroporto rumo à uma viagem pro exterior sem data para voltar. Ele correu até o fim da plataforma e ainda pôde ver um pouco do último vagão.

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Paulo estava pronto e suas malas também. Infelizmente seu pai não estava lá para se despedir dele, como sempre. Desde que sua mãe faleceu, Sergio tem sido mais ausente do que de costume, vivia tentando arranjar uma namorada. Paulo ainda deixou um bilhete pro pai dizendo que ligaria quando chegasse na Alemanha.

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Eduardo estava apreensivo e não via a hora de sua irmã chegar para lhe dar a notícia. Ela tinha jogado bastante na loteria e seria a salvação para os dois. O que Kátia não sabia é que se ela não ganhasse, Eduardo mandaria seqüestrar o ganhador e estava tudo arrumado, os homens só esperavam um telefonema.

Kátia não se conteve de emoção ao descobrir que tinha ganhado cinco milhões de reais. Enquanto subia as escadas do prédio decidiu fazer uma surpresa ao irmão e preferiu contar que não ganhou e daria uma desculpa pra ir até o banco e resgatar o dinheiro, mas na verdade diria que iria até o ginecologista para saber da gravidez. Só foi Kátia abrir a porta e deparou-se com seu irmão todo eufórico.

_ E ai ganhamos?

_ Infelizmente não. Fica pra próxima. – respondeu Kátia que foi até o quarto para pegar sua bolsa e sair de novo.

_ Pra onde você vai?

_ Vou ao médico. Acho que hoje ele diz quando, mais ou menos, vou ganhar o bebê.

_ Ah tudo bem. Vai lá. – disse Eduardo que só esperou Kátia sair e ligar para Joel.

_ Pode arrumar tudo ai. Não foi minha irmã! Quero esse dinheiro hein! – disse Eduardo todo eufórico.

_ Sem problemas, desde que ficamos com a metade. – disse Joel.

_ Já falamos sobre isso, você fica com dois e eu com três. – disse Eduardo desligando o telefone.

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Enquanto voltava do almoço, Sergio percebeu a movimentação estranha de uns homens próximo ao banco. Ele decidiu prestar mais atenção aos homens que estavam do outro lado da avenida Alvorada. Minutos depois surge uma moça grávida e os homens chegam até ela e conversam em seu ouvido, discretamente eles a levam até um carro e partem cantando pneu. Sergio aproveita o sinal vermelho e atravessa correndo e consegue pegar a placa do carro. Lá na frente ele vê que o trânsito pára e chama um táxi. Já dentro do automóvel Sergio liga pra polícia e fornece o número da placa.

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Vanessa está triste e feliz. Triste por estar partindo para uma viagem longa que fará para Europa sozinha e já sentindo saudades, mas está feliz porque todos seus amigos apareceram em sua despedida na plataforma de trem, menos Sergio – seu amigo mais recente. Ele prometera que apareceria, mas por enquanto nada e em questão de minutos o trem estará partindo e talvez nunca mais o veja. Vanessa tem planos de morar na Alemanha. O tempo se esgotou para Sergio, ela embarcou no trem rumo ao aeroporto. Minutos depois apareceria Sergio correndo até o fim da plataforma conseguindo ver os últimos vestígios de Vanessa.

Paulo chegou em casa e estava ansioso para ler as cartas. Alguma delas poderia ser a carta da faculdade dizendo que ele tinha ganhado a bolsa de estudos. A prova feita meses atrás foi muito difícil, mas ele acha que conseguiu e está acreditando que irá para Alemanha falando um alemão quase intermediário, sendo que a prova queria intermediário para avançado, mas seus conhecimentos em física e matemática lhe garantiu o bom resultado e agora estudará engenharia numa universidade da Alemanha. Ele já sabia que tinha passado na prova, mas havia outros concorrentes fortes e só tinham duas vagas. Encontrou a carta endereçada à Marques, Paulo. Era pra ele mesmo. Abriu o envelope e lá encontrou a correspondência contando todo o processo e no fim dava as congratulações ao ser escolhido para estudar na universidade. Ele pagaria a faculdade com o salário recebido pelo emprego que já estava esperando por ele. Alemanha ai vou eu! – disse Paulo explodindo de alegria e contentamento.

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Para a tristeza de Sergio os seqüestradores conseguiram despista-lo, mas já sabia que a polícia estava em ação. Sergio pediu para o taxista voltar, mas antes que ele tomasse o rumo de volta, Sergio recebeu a ligação de um investigador, que soube primeiro da informação que Sergio deu a polícia notificando a placa do carro, e esse lhe contou onde era o cativeiro. Sergio agradeceu e contou o endereço ao taxista que faturaria uma grana preta com essa viagem toda.

Minutos depois...

Eduardo ansioso ligou para Joel para saber do seqüestro. Joel lhe descreveu a vítima e era a descrição de sua irmã. Eduardo ficou pálido e sem poder acreditar que tinha mandado seqüestrar a própria irmã. Já não tinha volta e ele não queria o dinheiro mais. Numa decisão impensada, Eduardo decidiu dar fim a própria vida.

Ao sair do prédio seguiu em direção a avenida alvorada. Olhou para o alto e escolheu o prédio mais alto. Correu até ele e entrou sem saber se era residencial, comercial, naquele momento não importava. Chegou até a cobertura e pensou duas vezes antes de fazer aquilo.

Quando Sérgio chegou no cativeiro, a polícia já tinha algemado os seqüestradores. Só não algemou Fabíola a pedido de Kátia que segurava o recém-nascido no colo. Sergio chegou até ela e contou que tinha avistado os seqüestradores e ligou para polícia. Ele olhou para o relógio e viu que estava atrasado para a despedida de sua amiga “amada” Vanessa. Deu seu cartão do convênio de saúde e com a ajuda da polícia Kátia foi levada de ambulância para a maternidade. Enquanto que Sérgio saiu correndo como um maratonista para a estação de trem que não era muito longe dali e tentar ter os últimos minutos com Vanessa.

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O trem não estava muito cheio e apenas Paulo e Vanessa carregavam muitas malas para viagem. Paulo percebeu aquilo e perguntou:

_ Também está indo para o aeroporto?

_ Estou sim e você?

_ Também. Pra onde você vai viajar?

_ Pra Alemanha! E você? – retrucou Vanessa.

_ Você ta brincando! Só pode ser mentira! – disse Paulo desacreditado da coincidência.

_ É sério! Estou indo pra lá. Passar uma temporada. Você também ta indo pra lá?

_ Sem sombra de dúvidas. Ganhei uma bolsa de estudos de uma universidade.

_ Parabéns!

A conversa entre os dois continuou. Inclusive no aeroporto, afinal o vôo era o mesmo. Lá ia Paulo e Vanessa, a garota que Sergio estava investindo para ser sua próxima namorada. Pelo visto não seria mais, porém não deixaria de ser da família.

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Depois de ter ficado olhando por minutos a ferrovia que tinha levado sua Vanessinha embora, Sergio decidiu ir até o hospital onde Kátia estava. Mais uma vez Sergio ligou para o investigador da polícia para saber o nome do hospital. Em menos de uma hora Sergio chegou até o hospital e lá quis saber onde Kátia estava.

_ Oi! Eu sei que você não me conhece muito bem, mas vim pra saber como está você e o neném. – disse Sergio entrando no quarto.

_ Oi! Talvez você não lembre de mim, mas eu lembro de você, nós nos conhecemos sim, até conversamos. – disse Kátia.

_ Nos conhecemos?Da onde?

_ Uma festa que você foi com a Vanessa, que é minha amiga, lá ela me apresentou a você. Dizia ela que vocês eram apenas amigos, nisso eu me senti tranqüila, pois desde que te vi fiquei muito interessada em você.

_ Interessada? – perguntou Sergio nitidamente sem graça.

_ Isso mesmo. Desculpe se estou sendo direta, mas você praticamente salvou minha vida e do meu filho que terá o seu nome.

_ Meu nome? Mas cadê o pai dele? – perguntou Sergio.

_ Nem sei quem é. Mas gostaria muito que fosse você. O Serginho ia adorar ao saber que você salvou a vida dele.

_ Salvei nada, foi a polícia. – disse Sergio que pegou o controle remoto da TV pra sair daquela conversa ultra direta com sua mais nova fã.

Sergio conseguiu o que queria, a atenção de Kátia foi toda para o noticiário que contava a morte de um homem que segundo a polícia teria se jogado da cobertura de um prédio. Os dois estavam chocados e mais chocada ficou Kátia quando a câmera pegou num relance o corpo do morto.

_ É meu irmão!!

_ Seu irmão?

_ Sim, com toda a certeza. A roupa, o corpo, é ele com certeza. Não acredito que ele ficou tão desconsolado só porque disse que não tinha ganhado na loteria, o que na verdade aconteceu. – disse Kátia que viu a mão de Sergio pedindo pra que ela parasse para ele atender ao telefone. Era o investigador.

_ Descobriram quem está por detrás do seqüestro: Eduardo Vasquez.

_ Ele é meu irmão. Quer dizer: Era! – disse Kátia começando a chorar.

Meses depois...

Kátia e Sergio almoçavam animadamente quando foram interrompidos pelo telefone. Sergio foi atender.

_ Alô! Pai, sou eu!!

_ Filho?! Até que enfim você deu noticia!!

_ Desculpa, mas você também nem se despediu de mim! – disse Paulo chateado.

_ Desculpa peço eu! E como você está ai na Alemanha?

_ Estou ótimo. Estou namorando uma garota que conheci ainda no trem. Ela é linda, se chama Vanessa. – disse Paulo.

_ Eu sei.

_ Você sabe?

_ Eu sei que uma menina chamada Vanessa só pode ser linda, oras.

_ Ah ta. Ela disse que foi um consolo ter me conhecido, pois um amigo dela não foi se despedir dela.

_ Esse cara vacilou feio hein!

_ Você não quer falar com ela?

_ Não precisa filho, a ligação vai ficar cara!

_ Alô, seu Marques?

_ Alô, Vanessa, belo nome você tem!

_ Calma ai, eu conheço essa voz. Sérgio, é você? – perguntou Vanessa.

Sergio, sem pensar, desligou o telefone de súbito e Kátia olhou feio pra ele.

_ Que coisa caiu a ligação. – disse Sergio que depois daquele telefonema não recebeu mais nenhuma ligação de seu filho.

22/12/05

Miguel Rodrigues
Enviado por Miguel Rodrigues em 23/12/2005
Código do texto: T89743
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