Profunda Lembrança

Os dois despediram-se com um abraço e com um sorriso. Em vez de pegadas, deixaram lágrimas. Um permaneceu na calçada no momento em que o outro atravessava a rua. Este, o mais novo, ao chegar à sua casa, fechou os olhos para descansar o corpo e, então, organizar os pensamentos.

Véspera de Natal, e o seu ano ainda estava longe do fim. Contou nos dedos os anos e descobriu que já haviam passado dezenove, desde a última notícia do pai. Enquanto acompanhava o ponteiro maior do relógio de pulso, o irmão, sentado no chão da sala, superava mais um desafio ao cortar papel com a tesoura..

Tentou escrever cada lembrança que surgia uma após outra em meio à escuridão do olhar e descrever o significado intenso da saudade que lhe doía o peito. Como seria bom se pudesse ouvir novamente o barulho daquele sino, segurar aquela suave mão, caminhar leves passos lentos sobre aquela calçada vazia e encostada no muro branco e, por último, andar imaginando como seria o resto da tarde após a Igreja.

Um pequeno sorriso, contrastando com a angústia de seu interior, expressou a indesejada solidão. Estava imóvel, talvez isso o permitiu ouvir as vozes que atravessavam a janela às cinco da tarde. Eram três crianças e duas babás esperando chegar a hora de vestir as roupas novas compradas. Nesse intervalo, como um enfermo, sugou lentamente o ar para o interior, tornando-se, portanto, maior. Sentiu a força e, ao mesmo tempo, a fragilidade, pois o ar logo em seguida retornou ao local de origem.

As recordações de sua memória foram se esgotando e o espaço por elas ocupado foi preenchido por um choro expulso da alma. As vozes da janela desapareceram, e a ausência surgiu. O irmão, na sala, dormia curvado sob o silêncio da noite. As lágrimas perfuraram o ar em busca de repouso no chão do quarto pequeno. Em seguida, após três passos, uma mão tocou o seu cabelo e a outra segurou firme o seu ombro. Sentiu quando a saudade foi transformada em perdão.

Não hesitou!

Abriu os olhos para descansar a alma e, então, contemplar o Natal.

David Cid
Enviado por David Cid em 13/03/2008
Reeditado em 06/10/2008
Código do texto: T899800