APENAS UM DOMINGO QUALQUER

Era mais um domingo de manhã. Acordei com sono e, preguiçosamente, andei pela casa. A mesma casa há anos, o mesmo pijama, o mesmo hálito, o mesmo eu que aprendi a convencer todos os dias a se levantar e acreditar que por um milagre seria diferente.

Vou ao banheiro,me reconheço no espelho. Faço caras, escovo os dentes, lavo o rosto, tudo com o máximo de má vontade que um domingo possa exigir de mim. Deixo minha esposa em casa e me forço a caminhar até a padaria da esquina.

- Bom dia Seu...Bom dia - Interrompi o cumprimento de meu vizinho, continuei a minha caminhada até a padaria sem olhar para trás, sinto uns dedos batendo em minhas costas - Sabe, a minha senhora não está passando bem... O senhor poderia levá-la até o hospital? Silêncio...

- Estou indo até a padaria, é algo sério?

- Não, acho que é gripe. Respondeu secamente o vizinho.

Continue andando. Há alguns anos moro nesta rua, rua pobre, escura, quebrada, feia. Crianças correm peladas desde cedo até noitinha. Gritam, brincam, xingam, se aprendem até terem idade suficiente para fazer outras crianças e deixarem a rua ainda mais feia, quebrada, escura, pobre. Sou um dos poucos que têm carro, é costume me procurarem para hospital, igreja, farmácia, velório, cadeia... – quantos pães, Seu...?-Cinco. Cortei o rapaz da padaria.

Meu pensamento estava na senhora de meu vizinho. Uma gripe e hospital? O que eu tenho a ver com isso? Ligue para o resgate, para o padre, para o pastor, lá sou eu essas coisas? – Odeio o mau humor que só o domingo traz.

Mas então penso na segunda, na terça, na quarta, na quinta, na sexta, no sábado. Penso na senhora sempre varrendo a calçada, no vizinho que sempre me cumprimenta, nas crianças que correm o dia inteiro na frente da minha oficina. São gente, sou gente – gosto deles.

Deixo o pão sobre a mesa e corro até o vizinho.Chamo, ele sai preocupado.

- Como está a senhora... – Com dor. – O carro está aqui, vamos dar um pulo até o hospital.

A senhora sai da casa, tem dificuldade para andar, está trêmula. Parece mais magra do que já era. Quantos anos ela envelheceu desde ontem!

Dirijo até o hospital. Estou acordado, algo me acordou no tremor da senhora, o marido estava preocupado, mas olhava para mim e se sentia seguro.

- Ela precisa de ajuda, tem algum médico disponível?

A senhora estava pálida, tremia e não parecia estar falando coisa com coisa.

- Ela tem plano de saúde?

- Não, é que, nossa, ela pode sentar? Diz o marido.

- Ela precisa fazer uma ficha antes, onde estão os documentos?

- Saímos com pressa, ela não...

- Nome do pai?

- Mateus, João, Lucas, Marcos – o nome que a senhora quiser, o que interessa agora não é a ficha, é ela ser atendida! Continuaria com o meu pensamento mas notei também que isso seria secundário, peguei a senhora e entrei para além da recepção do hospital, encontrei um médico e pedi para que ele a examinasse, o médico a levou para uma outra sala com um ar de preocupação.

Alguns dias depois foi o velório da senhora minha vizinha. Meu vizinho estava desolado. Fiquei sabendo na padaria.

Sem nome, sem motivo, sem razão, sem explicação. Apenas um domingo qualquer.

Daniel Medeiros
Enviado por Daniel Medeiros em 16/03/2008
Código do texto: T904027
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