Capoeira - O dia da verdade

Quando eu comecei a treinar capoeira, estava com dezesseis anos, e já era praticante de Judô e resolvi me iniciar na Capoeira, porque é uma arte marcial genuinamente brasileira (a única outra é o Huka-Huka que é uma luta indígena.).

Fiquei sabendo que um colega de trabalho praticava, em casa, com mais alguns companheiros que sempre se juntavam à tarde, no quintal da casa dele e ficavam praticando a capoeiragem.

A gente ainda não conhecia os rituais, não tocávamos os instrumentos, pois não éramos adeptos de nenhum grupo, mas sim, curiosos entusiasmados em aprender.

Nesses treinos, às vezes, aparecia um cara, chamado de Zequinha. O cara era mau, batia forte e adorava pegar os iniciantes e bater bastante. Quando ele chegava, só os mais experitentes resolviam enfrentá-lo, porém ele ficava um tempo sem aparecer, e de repente chegava batendo geral.

Depois de uns dois anos, chegou em nossa cidade um Grupo de Capoeira chamado Praia do Rio Grande, e o mestre era o Sr. Renato, um cara um mais de 30 anos de capoeira, mandingueiro e experiente.

Logo, nós todos que treinávamos no fundo de quintal, nos matriculamos no grupo e iniciamos o treinamento, que era totalmente diferente do que a gente fazia, pois iniciava-se nos fundamentos ritmicos, históricos e só posteriormente os físicos, ou do jogo propriamente dito.

Um dia, o tal do Zequinha, se virou para um dos alunos do mestre Renato, que coordenava o treino infantil e disse que na quinta-feira próxima, iria até a academia para "desafiar" o mestre.

O Mestre nada bobo, conclamou cinco de seus melhores alunos, três contra-mestres, um professor e um instrutor, os contra-mestres eram chamados de Mano Véio, Magrão e Xulé, o professor era o Toledo e o instrutor, o Fabiano, filho do mestre.

Na quinta-feira, foi o dia que eu e meus companheiros vimos um jogo apertado, de dentro, um jogo realmente lindo. O mestre armou a charanga (bateria da capoeira) e iniciou a roda com um jogo de angola, com versos tristes, nesse meio tempo, como prometido, chegou o Zequinha, com um cordão de mestre amarrado na cintura (não se sabe como ele o conseguiu), com a mulher a tiracolo, e pelo jeito atrevido, tinha tomado umas e outras, pra ficar valente.

Quando o Zequinha chegou, o mestre olhou para o aluno monitor, que deu um sinal positivo, nesse momento o mestre com apenas um olhar, sinalizou para o berimbau virar o toque para regional, aí o Zequinha, sem pedir licença, nem para o mestre, nem para os santos e nem para o Berimbau, pulou na roda e foi dando pezada nos alunos. Nisso, o Fabiano, o menos graduado, chamou o Zequinha no pé da roda e saiu para o jogo. Zequinha, violento como sempre, tentou dar um chute pulado no peito do Fabiano, que esquivou e teve o jogo comprado pelo contra-mestre Mano Véio, e este, não teve a mesma educação, já aplicou um "galopante" (espécie de soco com as costas das mãos) que entrou em cheio no rosto do Zequinha, que meio tonto ainda tentou ir pra cima e levou uma rasteira, desabando no chão. Levantou rápido e quando olhou, o adversário já era o Magrão, que media mais de dois metros e acertou um chute tão forte na barriga do Zequinha que o fez perder o fôlego, e quando caiu no chão, viu apenas o Magrão pulando alto e caindo com os dois pés junto a sua orelha esquerda, batendo as solas no chão com toda a força.

Nós alunos, ficamos estarrecidos, o Mestre nem jogou, pois se tivesse jogado, coitado do Zequinha, que teve que sair da roda carregado e ainda foi obrigado a escutar uma música em sua homenagem.

No final, o Mestre pregou que a capoeira não é feita de desafios e sim de união, que aquele momento era a prova que a união faz a força, pois para se desafiar um mestre, há de se passar primeiro pelos discípulos, e que só um Mestre deve desafiar outro Mestre.

A partir daquele dia, eu conheci a força da capoeira, pois até a música é tocada com o intuito de enganar o adversário, de deixá-lo confuso, e à merçê de todo o poder da capoeira bem jogada.

BORGHA
Enviado por BORGHA em 27/03/2008
Código do texto: T919110
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