ESTRANHO MUNDO CONHECIDO

Zé Pedro não era alto nem baixo, gordo nem magro, bonito nem feio. Tinha os olhos por demais castanhos, uma pele por demais branca e um tique na sobrancelha esquerda, que o acompanhava desde as férias de 1987. Toda vez que ouvia na radiola “Por Quem os Sinos Dobram” ou ficava por demais tranqüilo, ela levantava sem aviso.

Zé Pedro demorou mais do que pretendia. Quando voltou, a cabeça da garota repousava no travesseiro. Há pouco, ela saíra do banho, pois ainda era possível sentir o vapor quente, que do banheiro sem qualquer intromissão invadia quarto adentro. Com seus cabelos alourados e molhados, na cama havia se deitado enquanto Zé Pedro buscava a bebida. O quarto estava em silêncio. Ele sussurrou algo em seu ouvido, mas ela já havia adormecido, quando perguntou seu nome.

Ele a conhecera naquela noite. Era para ser só mais uma noite. Daquelas em que se coloca uma roupa qualquer, se sai para um lugar qualquer, em busca de uma bebida qualquer e de uma mulher qualquer Uma mulher, talvez de rosto e feições delicadas, talvez inteligente e extrovertida, ou quem sabe, uma linda mulher, de quadril esbelto e coxas bem torneadas. Mas apenas, uma mulher qualquer.

Era para ser uma noite qualquer... Não foi.

Sabe quando passamos por uma rua, esquina, ou mesmo por uma dessas particularidades a vida e temos a certeza de que já, ali pisamos antes, mesmo sem consentimento? Como se naquele momento, tivéssemos acesso a imagens congeladas, de um filme nunca antes visto?

Zé Pedro sabe.

A noite estava boa. Pessoas, bebidas, cigarros e músicas, se misturavam, formando um único corpo. Porém, em meio a essa confusão de cheiros, sons e imagens, na qual Zé fazia parte, a uma garota ele foi apresentado. Ela, no entanto, parecia estar fora dessa ritmia, parecia seguir o seu compasso, dançar a sua música e fazer a sua festa. Ela tinha as suas próprias cores.

Nada a Zé Pedro, disseram sobre a garota, nem sua história, seus medos, seus vícios, nem seus desejos. Ele não sabia de que planeta ela vinha, se procurava um príncipe ou um cara qualquer, em uma noite qualquer. Nem seu nome, ela sabia. Mas sabia que já a havia visto antes. Não! Mais que isso. Ele a conhecia.

Conhecia aquele rosto, de expressões delicadas, como quem parece, que sempre vai sorrir ao falar. Rosto de primaveras passadas? Conhecia aqueles cabelos e aquele par de olhos, negros como uma noite fria, em contraste com sua pele branca, de um dia ameno. Rosto de outono! Era isso que ela possuía; um rosto de outono. Zé Pedro conhecia aquelas curvas, que se desenhavam no vestido. Ah, aquelas curvas! Sim, conhecia, e bem, aquelas curvas.

Cinco minutos e meio antes do primeiro beijo ela pediu: Você tem “Por Quem os Sinos Dobram”? (dez segundos de reticências). Ele ligou o vinil. Foi assim que descobriu que ela também o conhecia. Amaram-se como se fosse a primeira vez.

Falaram pouco, riram o necessário, se olharam excessivamente. Enquanto ela tomava um banho quente, Zé Pedro estralou os dedos e foi buscar algo pra beber.

Zé Pedro demorou mais do que pretendia. Quando voltou, a cabeça da garota repousava no travesseiro. Há pouco, ela saíra do banho, pois ainda era possível sentir o vapor quente, que do banheiro sem qualquer intromissão invadia quarto adentro. Com seus cabelos alourados e molhados, na cama havia se deitado enquanto Zé Pedro buscava a bebida. O quarto estava em silêncio. Ele sussurrou algo em seu ouvido, mas ela já havia adormecido, quando perguntou seu nome.

Tomou a bebida, sozinho. A sua e a dela. Enquanto olhava seu corpo enrolado no lençol, a mesma sensação que lhe disse que a conhecia agora dizia, algo que eu não queria ouvir.

Amanheceu sozinho.

E sozinho, sentiu saudades daquela menina de Vênus, sem nome e tão próxima, que absolutamente, não era uma menina qualquer nesse estranho mundo conhecido.

O quarto estava ao avesso, no entanto, a dois vestígios Zé Pedro deu por relevar: O travesseiro ainda úmido e cheirando a outono e um bilhete de três dobras mal feitas, jogado em cima do criado-mudo.

Mecanicamente ele pegou o bilhete e sem pensar em abri-lo, o guardou em uma gaveta, já sabia o que estava escrito. O vinil estava desligado, mas, sua sobrancelha levantou.

Zé Pedro às vezes se sente assim, sabe de lugares em que nunca andou e sente saudades de quem não teve tempo de amar. É o que diferencia um lugar qualquer de um lugar único e uma garota qualquer de uma garota especial. O resto... São só fantasmas.

Continua...