ESTRANHO MUNDO CONHECIDO - PARTE II

O despertador soou. O barulho estridente ecoou pelo apartamento despertando Zé Pedro, que sonolento, atendeu ao seu chamado implacável.

A vontade de fugir, que rotineiramente invadia Zé Pedro todas as vezes que é despertado para a manhã de mais um longo dia não se manifestou, talvez por ter percebido que era domingo e não devia tê-lo colocado para despertar, mas havia algo mais. Algo que sentia e não compreendia.

O relógio de parede revelou que já era hora do sol ter se apresentado, porém, o dia ainda era noite. Trovões e relâmpagos se fizeram no céu, anunciando o temporal que estava por vir. Um breu completo tomava conta das ruas. Logo começaria a chuva.

Muitas noites passaram em claro para Zé Pedro, à procura de um sono que não vinha e de respostas que não tinha. Assim, essas noites que eram dias em um ciclo vicioso, se transformavam em dias que eram noites mal dormidas, em que perambulava no trabalho e se perdia na própria rotina.

Mas agora era diferente, eram as nuvens carregadas, que cobriam de cinza o azul do céu e não mais o seu estado de espírito.

Zé Pedro deitou na cama e tentou dormir novamente. Mas algo havia acontecido. Sentiu um carinho enorme, pela quase desconhecida menina da noite passada. Por que será que pensa tanto nela?

Será que é amor? Poderia ser. Zé Pedro gostaria que fosse. Pois já ouvira muito sobre o amor, também sobre ele, muito já lera, porém, nunca havia vivido um.

Felicitou-se com a possibilidade de estar apaixonado. Prontamente ele pegou uma antiga caderneta e nela tinturou algumas linhas mal-traçadas. Queria muito dizer sobre o que estava sentindo, mas queria dizer de uma maneira diferente de todos, os que sobre o amor, já haviam dito. Não, homenageando quem lhe machucou, como nas músicas sofridas, nos poemas nostálgicos ou nas crônicas pessimistas.

Queria falar, parafraseando o grande Jorge Amado, da “Noite da grande paz, da grande paz dos teus olhos” paz lhe trás conforto. Do abraço que é apertado e seguro apesar da fragilidade de seus braços. Da falta que ela faz quando longe de suas vistas. Uma falta estranha...

Queria falar disso. Diferente do que já disseram.

Queria falar também, da importância irracional que é sua companhia, do outono de seus traços. Do calor e frio simultâneos que está sentindo. Das borboletas que parecem voar e algazarrear em seu estômago. Do “sem-jeito” que fica na sua presença, por não saber onde colocar as mãos. Da voz de veludo que ela lhe sussurra ao ouvido.

Lá fora, os relâmpagos se fizeram mais incisivos, e uma ventania se formou, compondo uma sonora melodia, que levantava uma fina poeira e embalava os galhos das árvores. Onde será que ela está? Pensou Zé Pedro.

E num descuido a dúvida. Será que realmente isso é amor? Abandonou a caderneta.

Deve ser! Respondeu, se recuperando do vacilo. Se não fosse, a canção que agora houve na radiola não teria o seu sotaque, todos os versos que se recorda, não rimariam com o seu nome, e todas as cores de sue quarto não lembrariam o seu batom. É... Isso deve ser amar.

Por isso é que Zé Pedro queria falar de amor. E queria falar diferente do que já haviam dito.

E disse. Pela primeira vez Zé Pedro disse sobre o amor. Sobre amar. Sobre ser amado.

E apesar do esforço para dizer do singular amor que desejava, disse apenas aquilo que todos já haviam dito.

Descobriu que assim é o amor. Ele faz sentir improvável o óbvio, confuso o simples e principalmente faz se sentir único o igual.

Descobriu o que é o amor.

Zé Pedro olhou as horas no despertador e convencido de que não iria mais dormir, colocou a camisa que vestira na noite passada. A menina não usava colônia, mas pôde sentir o seu perfume mesmo assim.

Alguém lhe bate à porta. Ele abre. Um sorriso curto. Outro sorriso, agora longo. Antes de um “olá”, uma pergunta: Qual o seu nome?

Alguns pingos d’água caíram do céu naquele momento, e começou o temporal.

CONTINUA...