"O CRIME PERFEITO" = Conto Criminal=

- Com a morte do papai, amor, a mamãe vai receber um dinheirão, meu bem. Uma grana preta pelo que fiquei sabendo.

- E aí a velha miserável vai continuar se fingindo de pobre pra não ajudar em nada a filha mais nova. Quer apostar?

- Mamãe é meio segura mesmo, mas não gosto que você fale assim dela. Coisa chata de ouvir...velha miserável...Gostaria que eu falasse assim de sua mãe?

- Você nem poderia dizer uma coisa dessas, meu bem. Quem é que nos dá sempre a maior força em tudo? Temos outra pessoa a quem recorrer nas horas de aperto? À sua mãe é que não podemos nem pensar. É uma velha miserável sim.

- Mas pelo menos visita mais os netos que a sua, amor.

- Grande merda. Vem pra filar o almoço, o jantar, ou pelo menos um lanche. Isso se não roubar algum brinquedo das crianças pra dar a um outro neto qualquer. A um dos preferidos dela, lá da tua irmãzinha rica. Sua velha, minha querida, além de miserável é puxa-saco. Puxa saco profissional, ainda por cima.

Ela acabou rindo e concordando.

- Tem razão, amor. Minha mãe é fogo...

- Pra não dizer outra coisa parecida...Você reparou que ela não chorou no enterro de seu pai?

- E porque choraria? O casamento deles já havia terminado há séculos.

- Podia pelo menos chorar de alegria pela grana do seguro e fingir que era pela morte do velho.

- Meu pai era muito grosseiro com ela. Eu posso testemunhar que ela até que tentou viver bem com ele. Era mais carinhosa, mais atenciosa com ele do que ele com ela. Meu velho tinha muita facilidade em dar patadas a torto e a direito. Confesso que também não senti muito a morte dele. É só a gente se lembrar do descaso dele para com o nosso casamento. Não teve o mínimo carinho, a mínima atenção, e foi incapaz até de se vestir decentemente pra comparecer. Foi ao nosso casamento como se fosse o de uma empregada da casa.

- Mas ao de sua irmã ele foi todo emocionado, bem vestido, falante, agradável com todo mundo. Diferente, né? Genro rico é mais gente, meu amor. Nóis é merda...Amor, atende esse telefone que eu estou correndo pro banheiro. Caso de emergência, caso de emergência. Fui...

Sentado no vaso, ele se assustou com a expressão da esposa, que abriu a porta do banheiro de repente e postou-se à sua frente, com os olhos arregalados:

- Amor, uma tragédia horrível, meu bem. Uma tragédia pavo...

Sem terminar a palavra, ela caiu desmaiada no chão do recinto.

Atrapalhado, sem saber se se limpava, se a socorria do jeito que estava, se lavava as mãos, e quase acabou caindo por cima dela embolando as pernas nas calças arriadas.

- Acorda, meu bem..acorda...pelo amor de Deus, me diga o que houve? Foi com filho nosso? Vamos, bem, não me mate de agonia..acorde, pelo amor de Deus!!!

A muito custo ela voltou a si e contou o que acontecera, aos trancos, enquanto chorava desesperadamente. Com muita paciência, com muita dificuldade, ele conseguiu entender que o carro do cunhado havia despencado por um ribanceira e não sobrara nenhum deles. A cunhada, o cunhado e os dois sobrinhos haviam falecido na hora.

- Puta que pariu!! Nem sei o que dizer...

Recobrando uma certa serenidade, a esposa passou a preocupar-se com a mãe:

- Amor, será que mamãe já sabe? Será que deu em algum noticiário e ela ficou sabendo pela tevê? Meu Deus do céu...Ela é cardíaca. Um choque desses pode matá-la...A gente tem que dar um jeito de preparar o espírito dela pra não acontecer o pior, meu bem.

- Será? Será que sua mãe não resistiria ao choque, coitada?

Ela correu para o banheiro vomitando pelo caminho.

Ele pegou o telefone e ligou para a sogra:

- Olha, dona Malvina, seu genro, sua filha e seus dois netos acabam de morrer num acidente de carro. A senhora desculpe o mau...Chi..acho que ouvi alguém caindo do lado de lá...Será que...?

O dinheiro do seguro levou um mês para ser depositado na conta deles. Os imóveis da sogra e o espólio do cunhado levaram mais tempo para chegar às mãos deles.

- Nóis né merda mais, amor...

- Será que mamãe morreu ao ouvir a notícia pela tevê?

- Deve ter sido, meu bem. Hoje em dia as notícias saem junto com as tragédias...

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 31/03/2008
Código do texto: T924765
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